NOTÍCIAS ASTRONÓMICAS - N.º 83
14 de Dezembro de 2004
POSSÍVEIS CENÁRIOS DE VIDA EM MARTE E NA TERRA

Os últimos estudos na matéria cada vez mais apontam para que Marte tenha sido outrora um mundo quente e rico em água. E de um planeta com estas condições vem a hipótese de ter sido habitável no seu passado - e talvez até o seja ainda hoje.

Tal como várias sondas circulam o planeta, os rovers gémeos da NASA - Spirit e Opportunity - têm levado a cabo estudos terrestres exaustivos durante quase um ano.


Impressão de artista de um dos rovers marcianos.
Crédito: NASA/JPL

O robot Opportunity em Meridiani Planum, por exemplo, encontrou sinais importantes de que água veio e desapareceu repetidamente nesse local. Enquanto essa água intermitente em Meridiani Planum pensa-se que seja altamente ácida ou salgada, a sua hipótese de albergar vida durante algum período de tempo não pode ser excluída.

O que os cientistas agora observam é um Marte diferente nos seus primeiros milhares de milhões de anos de história geológica do que antigamente se pensava - e possivelmente uma morada extraterrestre para a vida.

Chuvas: durante anos até décadas

Marte é um mundo complexo e fascinante.

Isto foi deixado claramente evidente durante a segunda conferência sobre o "Passado de Marte: Evolução Geológica, Hidrológica e Climática e as Implicações para a Vida", que teve lugar entre 11 e 15 de Outubro em Jackson Hole, Wyoming. Quase 140 cientistas planetários e terrestres participaram no seminário liderado pelo Instituto Planetário e Lunar (LPI) da NASA, e pelo Laboratório do Programa Marciano da NASA.

Um dos mais significativos achados anunciados neste encontro foi que Marte sofreu muitas das suas mudanças mais importantes muito mais cedo na sua história que antes se pensava," disse Steve Clifford, cientista planetário no LPI. Isto inclui a formação do núcleo, o desenvolvimento da dicotomia crustal, um rápido declínio do fluxo de calor geotérmico, e a perda de um campo magnético planetário.

Surpreendentemente, todos estes eventos parecem ocorrer entre os primeiros 50 a 100 milhões de anos da sua existência, explicou Clifford. Uma descoberta relacionada é o potencial papel que grandes impactos tiveram durante este mesmo período, disse, sobre os quais um registo topográfico está preservado nas terras-altas crateradas e que foi agora também detectado por baixo das planícies norte do planeta.


As crateras de impacto enterradas são mais numerosas que as visíveis nas terras-altas. As terras-baixas (a azul, por baixo das jovens planícies) formaram-se muito cedo na história de Marte, bem antes do fim da fase de impactos. Isto sugere que a dicotomia crustal das terras-altas/baixas formou-se num período mais antigo da história de Marte e não mais tarde, como anteriormente se pensava.
Crédito: NASA

Clifford acrescenta que simulações indicam que os maiores destes impactos podem ter apagado uma fracção significativa da antiga atmosfera marciana. Os impactos que produziram crateras superiores a 100 quilómetros em diâmetro podem ter afectado o clima numa escala regional e global, criando condições ambientais mutáveis capazes de albergar chuvas constantes que poderiam chegar a durar entre anos e décadas.

Um mundo rico em água

"Parece agora haver provas inegáveis que mostram que o passado de Marte era rico em água - e que pode ter tido enormes massas de água e gelo que variavam entre grandes mares e um oceano primordial, talvez cobrindo um terço do planeta," disse Clifford.

As provas recolhidas que suportam esta teoria variam desde observações orbitais de terrenos com camadas extensas, com possíveis costas circundantes, passando pelas planícies norte, até a investigações locais da mineralogia e registos sedimentários recentemente descobertos pelo rover Opportunity em Meridiani Planum.

"As implicações destes achados estão apenas agora a começar a ser absorvidas pela comunidade científica, e mesmo assim já revolucionaram substancialmente o nosso conhecimento da evolução passada do planeta. Permanecerão com certeza um foco de atenção à medida que a intensidade da exploração de Marte aumenta durante a próxima década," observa Clifford.


Impressão de artista de um lago em Marte.
Crédito: Mike Eaton

Agora adicione-se descobertas recentes acerca da origem e alcance da vida no nosso planeta.

"A vida é um processo incrível e os dados que sabemos sobre onde a vida pode existir - no planeta Terra - está sempre a expandir e encontra-se muito para lá do que anteriormente havíamos pensado," sugeriu Lynn Rothschild, uma cientista do ramo de Ciência e Tecnologia do Ecossistema do Centro de Pesquisa Ames da NASA, em Moffett Field, Califórnia.

"Existe uma diferença de perspectiva entre cientistas planetários e biólogos, no que toca ao local onde a vida pode prosperar. Os organismos não procuram uma média global. Como um micróbio, proporcionem-me 100 microlitros de água líquida e fico feliz. Em qualquer caso, certamente não preciso de um oceano! Por isso, é melhor pensarmos em microambiente," aconselhou Rothschild.

Água e energia para os microrganismos

Dada a riqueza dos dados dos rovers marcianos, a probabilidade da vida ter existido em Marte - talvez até ainda exista - é vista como mais provável de acordo com Carrine Blank, Professora Assistente de Geobiologia Molecular no Departamento de Ciências Planetárias e Terrestres da Universidade de Washington, em St. Louis, Missouri.

Os resultados dos robots indicam a existência de grandes corpos de água líquida em Marte e de fluídos transportando gradientes de redox (oxidação e redução) perto da superfície. "A vida não requer apenas água líquida, também precisa de uma fonte de energia metabólica," acrescentou, "e os gradientes redox são excelentes fontes de energia para os microrganismos.

Blank disse que na sua mente a realmente importante questão é durante quanto tempo esta água líquida e energia estiveram presentes na superfície de Marte. Quer tenha sido por muito ou pouco tempo, é este o ponto fulcral da linha da vida nas areias de Marte.

"Se foi apenas durante um breve período na história geológica de Marte, então talvez a probabilidade de existência de vida seja baixa," disse Blank. "Se, por outro lado, esteve presente durante um grande período de tempo, então a probabilidade de vida à superfície torna-se muito maior."

O que é preciso agora, é mais informação acerca da extensão dos depósitos sedimentares em Marte e a consequente identificação das limitações das idades em relação à presença de água líquida à superfície.

Micróbios, viajantes interplanetários

A ideia de que as sementes da vida viajam entre localidades celestes é conhecida por panspérmia.

Poderá Marte ser um domínio para micróbios atirados para o espaço devido a impactos de asteróides e cometas, bem como um planeta onde um "segundo Génesis" possa ter ocorrido? Ainda mais, se for este o caso, poderão a vida externa e biologia "made in" Marte co-existirem?

"Absolutamente," aconselhou Blank, adicionando ainda outro cenário: que a vida foi criada em Marte, transferida para a Terra e depois extinta em Marte.

"No presente, não existem provas geológicas que apontem para que a origem da vida tenha acontecido na Terra. Por isso teoriza-se que a origem poderá ter ocorrido noutro lugar, por exemplo em Marte, e que depois tenha sido transferida para a Terra," sugere Blank. Alternativamente, a vida pode ter sido criada na Terra -- mas não deixou nem uma prova dado que não temos nenhumas rochas do primeiro milhar de milhão de anos da história da Terra -- e depois ter sido transferida para Marte.


Poderá a vida ter sido transportada de Marte até à Terra? Ou até vice-versa?
Crédito: NASA

"Se a vida foi transferida entre os planetas, então a vida marciana, passada e/ou presente, poderá ter características similares à vida terrestre passada," disse Blank. "Por outro lado, se tiver ocorrido um segundo Génesis, então a vida em Marte deverá ser muito diferente da da Terra, e poderá de facto ser muito difícil de detectar ou até reconhecer como vida - particularmente se está extincta!"

Os ramos mais profundos da árvore da vida

Entretanto, de volta à Terra, Blank disse que mais pesquisa é necessária para melhor entender se a transferência de vida interplanetária terá sido possível. Em particular, trabalho adicional sobre os hipertermófilos -- micróbios que vivem a temperaturas muito altas e que formam os mais profundos ramos da árvore da vida -- é necessário, dado que foram dos primeiros habitantes da Terra e por isso os candidatos principais à transferência dentro do sistema solar por impacto, disse.


Os hipertermófilos produzem algumas das brilhantes cores do Grand Prismatic Spring, no Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA.

"Sabemos muito pouco acerca da origem da vida na Terra - como aconteceu, em que tipo de ambiente prosperou, e quanto tempo passou entre a criação e o último antepassado comum tal como o conhecemos - um organismo muito complexo, muito parecido à vida moderna," argumenta Blank.

Novamente para Marte, Blank também disse que são desconhecidas quais as condições do passado Marte semelhantes às de uma jovem Terra quando a vida originou.

"Se forem similares, então talvez um 'segundo génesis' tenha sido possível em Marte. Mesmo se as condições forem diferentes em Marte, poderia na mesma ter havido um segundo génesis apenas com um resultado muito diferente do que ocorreu na Terra," comentou Blank. "Se estas diferentes formas de vida foram propagadas pelo sistema solar, então até talvez possam ter co-existido se pudessem ter aprendido a depender umas das outras. Se, por outro lado, se encontrassem em competição directa pelos recursos, então seria de esperar que uma 'vencesse' e sobrevivesse, e a outra se tornasse extinta".

Guerra dos mundos?

Jack Farmer, um astrobiólogo da Universidade Estatal do Arizona em Tempe, também suporta a hipótese da vida ter existido em Marte. Faz parte da equipa científica dos rovers da NASA.

"Temos agora o que eu considero como provas irrefutáveis da presença de água em Marte e isto abriu uma discussão focada e séria acerca dos ambientes habitáveis de Marte durante o início da história do planeta. Esta descoberta marca o primeiro passo na implementação de uma estratégia para a exopaleontologia marciana," disse Farmer.

Farmer esclarece que a ideia de Marte ter sido o anfitrião para o lançamento de micróbios para a Terra, tal como a hipótese de ser um planeta onde um segundo génesis teve lugar "são ambas candidatas para uma origem da vida em Marte e merecem uma consideração séria."

"Também penso que a ideia de uma 'Guerra dos Mundos' em Marte entre formas de vida que lá originaram e daquelas que vieram da Terra é uma possibilidade séria," acrescenta Farmer. E esta hipótese, continua, levanta algumas questões centrais: Quem ganharia? Haverá possibilidade para uma co-existência competitiva entre as formas de vida que originaram em bases diferentes?

"As boas notícias é que estas teorias alternativas parecem ser testáveis num contexto de missões futuras. Mas esta discussão também aponta, de novo, para a importância da protecção planetária e da potencial contaminação levantada por uma misão de recolha de amostras marcianas," concluiu Farmer.

Links:

Marte:
http://www.ccvalg.pt/astronomia/astronline/marte.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Mars_%28planet%29
http://www.solarviews.com/portug/mars.htm

Spirit e Opportunity:
http://marsrovers.jpl.nasa.gov/home/

Panspérmia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Panspermia

Hipertermófilos:
http://en.wikipedia.org/wiki/Hyperthermophiles

 
ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS
     
 
Anunciando o Cometa Machholz - Crédito: Adam Block (NOAO), AURA, NSF
Um cometa descoberto apenas este Verão está a aumentar de bilho rapidamente e já é visível a olho nu. O Cometa C/2004 Q2 (Machholz) é actualmente melhor observado no Hemisfério Sul da Terra onde alguns observadores indicam-no como mais brilhante que magnitude 5. O cometa está a mover-se rapidamente para céus do Hemisfério Norte e deverá continuar a aumentar de brilho até ao princípio de Janeiro. Por coincidência, o Cometa Machholz irá ser fácil de observar pois estará quase em oposição ao Sol quando aparecer mais brilhante. Parece incerto quanto mais brilhante ficará o Cometa Machholz, mas permanecerá no céu durante a maioria de 2005, até aproximar-se da Estrela Polar no princípio de Marte. Na imagem do lado, o Cometa Machholz foi capturado no início de Dezembro já com uma brilhante cabeleira, uma cauda alongada de poeira desaparecendo para baixo, e uma longa cauda iónica para a direita.
Ver imagem em alta-resolução
     
 
  ESPAÇO ABERTO  
 

Observação astronómica, dia 15 de Janeiro, na açoteia do CCVAlg, às 21:30. Observação dependente das condições atmosféricas.

 
 
  EFEMÉRIDES:  
 

Dia 14/12: 349º dia do  calendário gregoriano.
História: 
Em 1546 nasce Tycho Brahe. Nascido em Knudstrup, o astrónomo dinamarquês estabeleceu o primeiro observatório moderno e alterou muitas teorias Copernianas. Deu a Kepler o seu primeiro trabalho no campo.
Em 1962, a sonda americana Mariner 2 encontra Vénus e torna-se na primeira sonda interplanetária com êxito.
Observações: Aproveite a noite para observar o Cometa Maccholz (C/2004 Q2), com magnitude 5.2. Para o encontrar, prolongue cerca de 14º na direcção Sudeste da recta que passa pelas estrelas da constelação de Oríon, Mintaka e Rigel.

Dia 15/12: 350º dia do calendário gregoriano.
História: Em 1911, Roald Amundsen escreve no seu diário o estranho comportamento do Sol no céu ao chegar ao Pólo Sul (possivelmente o primeiro grupo a alcançar qualquer um dos pólos).
Em 1965 as Gemini 6 e 7 realizam o seu primeiro encontro entre duas naves em órbita da Terra. Os astronautas da Gemini 6 eram Walter Schirra e Thomas Stafford, e os da Gemini 7 Frank Borman e James A. Lovell Jr.
Em 1970, a sonda soviética Venera 7 aterra em Vénus e torna-se na primeira sonda a transmitir dados de outro planeta. Embora esta transmissão tivesse durado apenas 23 minutos, possivelmente devido à sonda ter aterrado de lado por causa de uma avaria no seu pára-quedas, os sensores de temperatura e pressão confirmaram que a pressão à superfície do planeta era noventa vezes maior que na Terra e a temperatura era de mais de 475 graus centígrados.
Em 1984 era lançada a Vega 1 (missão para o planeta Vénus e Cometa Halley).
Observações: Os cinco planetas observáveis a olho nu (Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno) irão estar todos visíveis simultaneamente durante as próximas 4 semanas antes do nascer-do-Sol.

Dia 16/12: 351º dia do  calendário gregoriano.
História: Nascimento de Edward Emerson Barnard, astrónomo americano.
Em 1965 a Pioneer 6 foi lançada para uma órbita solar entre Vénus e a Terra.
Em 2000, usando dados científicos registados pela sonda em Júpiter Galileu a 20 de Maio, os cientistas do JPL anunciam provas de um oceano salgado por baixo da superfície de Ganimedes, a maior lua do Sistema Solar. Junta-se a Calisto e a Europa como luas de Júpiter com prováveis oceanos de água líquida por baixo do gelo.
Observações: Se tiver acesso a um telescópio, experimente observar de madrugada (a partir das 3 até ao nascer do dia) o planeta Júpiter. A Grande Mancha Vermelha irá transitar o seu meridiano central.

 
 
  CURIOSIDADES:  
 
A primeira pessoa a descobrir um cometa com um telescópio foi Gottfried Kirch a 14 de Novembro de 1680.
 
 
 
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Compilado por: Miguel Montes e Alexandre Costa
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