BLOCOS DE CONSTRUÇÃO DA VIDA PODEM FORMAR-SE MUITO ANTES DAS ESTRELAS 20 de novembro de 2020
Impressão de artista da molécula glicina juntamente com nuvens interestelares escuras no laboratório.
Crédito: Harold Linnartz
Uma equipa internacional de cientistas mostrou que a glicina, o aminoácido mais simples e um importante bloco de construção da vida, pode formar-se sob as condições adversas que governam a química no espaço.
Os resultados, publicados na revista Nature Astronomy, sugerem que a glicina, e muito provavelmente outros aminoácidos, formam-se em densas nuvens interestelares muito antes destas se transformarem em novas estrelas e planetas.
Os cometas são o material mais puro no nosso Sistema Solar e refletem a composição molecular presente na época em que o nosso Sol e os planetas estavam prestes a se formar. A deteção de glicina na cabeleira do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko e em amostras trazidas para a Terra pela missão Stardust sugerem que os aminoácidos, como a glicina, se formam muito antes das estrelas. No entanto, até recentemente, pensava-se que a formação exigia energia, estabelecendo restrições claras ao ambiente em que pode ser formada.
No novo estudo, uma equipa internacional de astrofísicos e modeladores astroquímicos baseados principalmente no Laboratório de Astrofísica do Observatório de Leiden, nos Países Baixos, mostrou que é possível que a glicina se forme na superfície de grãos de poeira gelada, na ausência de energia, através da "química escura". Os achados contradizem estudos anteriores que sugeriram que a radiação UV era necessária para produzir esta molécula.
O Dr. Sergio Ioppolo, da Universidade Queen Mary de Londres e autor principal do artigo, disse: "A química escura refere-se à química sem a necessidade de radiação energética. No laboratório, fomos capazes de simular as condições em nuvens interestelares escuras, onde partículas frias de poeira são cobertas por finas camadas de gelo e subsequentemente processadas pelo impacto de átomos, provocando a fragmentação de espécies precursoras e recombinação de intermediários reativos."
Precursores de outras moléculas complexas
Os cientistas primeiro mostraram que a metilamina, a espécie precursora da glicina que foi detetada na cabeleira do cometa 67P, podia formar-se. Então, usando uma configuração única de vácuo ultra-alto, equipada com uma série de linhas de feixe atómico e ferramentas de diagnóstico precisas, foram capazes de confirmar que a glicina também poderia ser formada e que a presença de água gelada era essencial neste processo.
Uma investigação mais aprofundada usando modelos astroquímicos confirmou os resultados experimentais e permitiu aos investigadores extrapolar os dados obtidos numa escala de tempo laboratorial de apenas um dia para as condições interestelares, ligando milhões de anos. "A partir daqui, descobrimos que quantidades pequenas mas substanciais de glicina podem ser formadas no espaço com o tempo," disse a professora Herma Cuppen, da Universidade Radboud, em Nijmegen, que foi responsável por alguns dos estudos de modelagem do artigo.
"A conclusão importante deste trabalho é que as moléculas consideradas blocos de construção da vida já se formam num estágio muito anterior ao início da formação das estrelas e planetas," disse Harold Linnartz, diretor do Laboratório de Astrofísica do Observatório de Leiden. "Esta formação precoce da glicina, na evolução das regiões de formação estelar, implica que este aminoácido pode ser formado de uma forma mais ubíqua no espaço e está preservado na maior parte do gelo antes da inclusão em cometas e planetesimais que compõem o material a partir do qual os planetas são feitos."
"Uma vez formada, a glicina também pode tornar-se um precursor de outras moléculas complexas", concluiu o Dr. Ioppolo. "Seguindo o mesmo mecanismo, em princípio, outros grupos funcionais podem ser adicionados à 'espinha dorsal' da glicina, resultando na formação de outros aminoácidos, como a alanina e a serina nas nuvens escuras no espaço. No final, este inventário molecular orgânico enriquecido é incluído nos corpos celestes, como cometas, e entregue a planetas jovens, como aconteceu com a nossa Terra e a muitos outros planetas."