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"Relíquia glacial", encontrada perto do equador de Marte, pode significar água gelada a baixas latitudes
21 de março de 2023
 

Uma relíquia glacial perto do equador de Marte.
Crédito: composição a cores falsas do CRISM e do HiRISE da MRO (Mars Reconnaissance Orbiter) da NASA, Lee et al., 2023
 
     
 
 
 

Num anúncio revolucionário aquando da 54.ª Conferência Científica Lunar e Planetária realizada no estado norte-americano do Texas, cientistas revelaram a descoberta de uma relíquia glacial perto do equador de Marte. Localizada na parte oriental da região Noctis Labyrinthus, nas coordenadas 7°33' S, 93°14' O, esta descoberta é significativa pois implica a presença de água gelada à superfície de Marte em tempos recentes, mesmo perto do equador. Esta descoberta levanta a possibilidade de que, na área, o gelo ainda possa existir a pouca profundidade, o que poderá ter implicações significativas para a futura exploração humana.

A característica superficial identificada como "relíquia glacial" é um dos muitos depósitos de tonalidade clara (sigla LTD, inglês para "light-toned deposits") encontrados na região. Tipicamente, os LTDs consistem principalmente de sais de sulfato de cor clara, mas este depósito também mostra muitas das características de um glaciar, incluindo campos de fendas e bandas de moreias. O glaciar está estimado em 6 quilómetros de comprimento e até 4 de largura, com uma elevação de superfície que varia entre 1,3 e 1,7 quilómetros. Esta descoberta sugere que a história recente de Marte pode ter sido mais aquosa do que se pensava anteriormente, o que poderá ter implicações para a compreensão da habitabilidade do planeta.

"O que descobrimos não é gelo, mas um depósito de sal com as características morfológicas detalhadas de um glaciar. O que pensamos que aconteceu aqui é que o sal formou-se no topo de um glaciar, preservando a forma do gelo por baixo, até pormenores como campos de fendas e bandas de moreias", disse o Dr. Pascal Lee, cientista planetário do Instituto SETI e do Instituto de Marte, autor principal do estudo.

A presença de materiais vulcânicos cobrindo a região dá pistas de como os sais de sulfato podem ter-se formado e preservado a impressão de um glaciar por baixo. Quando materiais piroclásticos (misturas de cinza vulcânica, pedra-pomes e blocos de lava quente), acabados de entrar em erupção, entram em contacto com água gelada, os sais de sulfato, como os que normalmente compõem os depósitos de tonalidade clara de Marte, podem formar-se e acumular-se numa camada dura e irregular de sal.

"Esta região de Marte tem uma história de atividade vulcânica. E no local onde alguns materiais vulcânicos entraram em contacto com gelo glaciar teriam ocorrido reações químicas [na fronteira entre os dois] para formar uma camada endurecida de sais de sulfato", explica Sourabh Shubham, estudante no Departamento de Geologia da Universidade de Maryland, coautor do estudo. "Esta é a explicação mais provável para os sulfatos hidratados e hidroxilados que observamos neste LTD".

Ao longo do tempo, com a erosão removendo os materiais vulcânicos, torna-se exposta uma camada dura de sulfatos que espelha o gelo glaciar por baixo, o que explicaria como um depósito de sal é agora visível, apresentando características únicas dos glaciares, tais como fendas e faixas de moreias.

"Os glaciares apresentam frequentemente tipos distintos de características, incluindo campos de fendas marginais, longitudinais, e também faixas de moreias e foliação glacial. Vemos características análogas neste LTD, na forma, localização e na escala. É muito intrigante", disse John Schutt, geólogo do Instituto de Marte, experiente guia do campo de gelo no Ártico e na Antártida e coautor deste estudo.

 
Interpretação das características da "relíquia glacial".
Crédito: Lee et al., 2023
 

As características de escala fina do glaciar, o seu depósito associado de sais de sulfato e os materiais vulcânicos sobrejacentes são todos muito escassamente craterados por impactos e devem ser geologicamente jovens, provavelmente do período Amazoniano, a mais recente das eras geológicas e que inclui o Marte moderno. "Temos conhecimento de atividade glacial em muitos locais de Marte, incluindo no equador e perto do equador, mas num passado mais distante. E sabemos de atividade glacial recente em Marte mas, até agora, apenas a latitudes mais elevadas. Uma relíquia glacial, relativamente jovem, neste local, diz-nos que Marte teve gelo superficial em tempos recentes, mesmo perto do equador, o que é uma informação nova", disse Lee.

Resta saber se a água gelada pode estar preservada debaixo do LTD ou se desapareceu por completo. "A água gelada não é, atualmente, estável à superfície de Marte, perto do equador e nestas elevações. Portanto, não é surpreendente que não estejamos a detetar qualquer água gelada à superfície. É possível que todo o gelo do glaciar já se tenha sublimado. Mas há também uma hipótese de que parte ainda possa estar protegido a pouca profundidade sob os sais de sulfato".

O estudo traça uma analogia com as antigas ilhas de gelo nos leitos de lagos salgados, ou salares, do Altiplano na América do Sul. Ali, o antigo gelo glacial permaneceu protegido do derretimento, evaporação e sublimação sob coberturas de sais brilhantes. Lee e coautores teorizam uma situação semelhante para explicar como os sais de sulfato em Marte poderiam ser capazes de fornecer proteção à de outro modo vulnerável água gelada, a baixas latitudes no planeta.

Se ainda houver água gelada preservada a pouca profundidade, a latitudes baixas em Marte, isto terá implicações para a ciência e para a exploração humana. "O desejo de fazer pousar humanos num local onde possam ser capazes de extrair água gelada do solo tem pressionado os planeadores das missões a considerar locais de maior latitude. Mas esses ambientes são tipicamente mais frios e mais desafiantes para os humanos e para os robôs. Se existissem locais equatoriais onde o gelo pudesse ser encontrado a pouca profundidade, então teríamos o melhor de ambos os ambientes: condições mais quentes para a exploração humana e ainda acesso ao gelo", explicou Lee.

Mas Lee adverte que ainda é preciso fazer mais trabalho: "Temos agora de determinar se nesta relíquia glacial ainda existe água gelada e, a haver, em que quantidades. E também se outros depósitos de tonalidade clara também poderão ter, ou já tiveram, substratos ricos em gelo".

// Instituto SETI (comunicado de imprensa)
// Instituto de Marte (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (PDF)

 


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Marte:
CCVAlg - Astronomia
Wikipedia
Noctis Labyrinthus (Wikipedia)

Glaciar:
Wikipedia
Fenda glacial (Wikipedia)
Moreia (Wikipedia)

 
   
 
 
 
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