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OS PERIGOS DA GRAVIDADE-ZERO PARA O CORPO HUMANO
19 de Novembro de 2010

 

Numa conferência de imprensa anterior à sua primeira experiência de gravidade-zero em 2007, o físico teórico Stephen Hawking afirmou o desejo do seu voo encorajar o interesse público na exploração espacial. Salientou que com o risco cada vez maior da Humanidade eliminar-se a ela própria cá na Terra, os humanos precisam de colonizar o espaço.

Desde aí, Stephen Hawking argumenta que temos que alcançar este feito em menos de dois séculos ou então estamos condenados à extinção. Foi sem dúvida encorajado pelo anúncio do presidente americano, Barack Obama, em Abril passado, de uma nova iniciativa de enviar pessoas a Marte até 2030.

No entanto, Stephen Hawking, Barack Obama e outros proponentes das viagens espaciais de longa-duração, esquecem-se de um pormenor importante. Os seres humanos não têm capacidade para deixar a Terra durante os vários anos que demora uma viagem de ida-e-volta a Marte, pela simples razão que a nossa biologia está intimamente ligada à Terra.

Para funcionarmos devidamente, precisamos de gravidade. Sem ela, o ambiente é, de vários modos, menos exigente sobre o corpo humano, e tal é observado aquando do regresso à Terra. Por exemplo, os astronautas que regressavam das missões Apollo estavam claramente enfraquecidos. E isto não é nada em comparação com os efeitos de uma viagem a Marte.

Um dos primeiros órgãos a ser afectado é o coração, que encolhe praticamente um-quarto após uma semana em órbita. A atrofia do coração leva à diminuição da pressão arterial e da quantidade de sangue expelido por este órgão muscular. Deste modo, a atrofia do coração leva à diminuição da capacidade de exercício. Astronautas que regressam à Terra após meses na Estação Espacial Internacional têm tonturas e desmaios porque o sangue não chega ao cérebro em quantidades suficientes.

Seis semanas numa cama equivale à mesma atrofia do coração sofrida após uma semana no espaço, o que sugere que esta atrofia é provocada, tanto pela ausência de gravidade, como pela redução simultâneo de exercício.

Outros músculos também sofrem. Os efeitos da gravidade-zero nos músculos dos nossos membros são fáceis de verificar experimentalmente. Dado que suportam o peso do corpo, os músculos "anti-gravidade" das coxas e da "barriga da perna" degeneram-se significativamente quando se tornam redundantes durante o voo espacial.

Mesmo com exercício físico, após seis meses os tripulantes da ISS perdem 13% do seu volume muscular na região gemelar e 32% da força máxima dos músculos das pernas.

Também ocorrem várias alterações metabólicas, entre elas uma redução na capacidade de oxidação de gorduras, que podem levar ao seu aumento em músculos atrofiados. Os viajantes espaciais também sofrem a deterioração do seu sistema imunitário, tanto durante como após as suas missões.

Sem dúvida que o efeito mais perigoso sobre o corpo é a perda óssea. Embora a dureza e a força do osso, bem como a relativa facilidade com que fossiliza, dá-nos uma aparência de permanência, os ossos são na realidade um tecido vivo e incrivelmente flexível. No final do século XIX, o anatomista alemão Julius Wolff descobriu que os ossos ajustam-se às cargas que têm que suportar. Um decréscimo na carga leva à perda de material ósseo, enquanto um aumento dá origem a um ganho na sua espessura.

Então, não é surpresa saber que em microgravidade espacial os ossos degeneram-se, especialmente aqueles que normalmente suportam maiores cargas. Cosmonautas que passaram meio-ano no espaço perderam quase um-quarto do material nos ossos da canela, mesmo com exercícios intensivos. Embora experiências com embriões de galinha a bordo da ISS tenham estabelecido que a formação óssea continua em microgravidade, a velocidade de formação é ultrapassada pela perda.

O mais preocupante é que, ao contrário da perda muscular que estabiliza com o tempo, a perda óssea continua a um ritmo estável de 1-2% por cada mês sem gravidade. Durante uma missão de três anos a Marte, caso não exista um método de criar gravidade artificial, os viajantes espaciais podem perder cerca de 50% da sua massa óssea, o que tornaria extremamente difícil o seu regresso à Terra e às suas forças gravitacionais.

A perda óssea não é permanente. Até seis meses após o seu regresso à Terra, os cosmonautas que passaram meio-ano no espaço mostraram recuperação parcial de massa óssea. No entanto, mesmo após um ano de recuperação, pacientes que em experiências tinham ficado três meses numa cama (em repouso) não recuperaram toda a massa óssea perdida, embora tivessem recuperado os músculos da região gemelar muito mais cedo.

As agências espaciais terão que ser muito criativas no que respeita à questão de perda óssea durante os voos até Marte. Existem conceitos para naves com gravidade artificial, mas ninguém sabe com certeza o que terá que ser desenvolvido para evitar estes problemas. Por agora, criaturas sem ossos, como as alforrecas, têm maior capacidade biológica para fazer tais viagens e regressar em segurança à Terra após uma viagem de vários anos. Para nós, humanos, a gravidade (ou a ausência dela) é um problema.

A quase-impossibilidade de escapar para o espaço é apenas um dos muitos exemplos de como os nossos corpos são inseparáveis dos ambientes em que vivemos. Nas nossas ambições futuristas não nos podemos esquecer que a mente e o corpo estão ligados à Terra quase como através de um cordão umbilical.

Links:

Microgravidade:
Efeitos no corpo humano (Wikipedia)
Medicina espacial (Wikipedia)

Estação Espacial Internacional:
Wikipedia
NASA
ESA

 


O astronauta Edward Lu exercita no instrumento CEVIS a bordo da ISS.
Crédito: NASA


O astronauta Steven Hawley, corre num equipamento de resistência física, a bordo do vaivém Columbia. O exercício ajudou a avaliar o COLBERT para a ISS.
Crédito: NASA

 
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