ESTUDO DESCOBRE DOIS JATOS DE VENTO SOLAR NA HELIOSFERA
6 de março de 2015
À medida que o Sol viaja pela Galáxia, emite partículas carregadas num corrente de plasma chamada vento solar. O vento solar, por sua vez, cria uma bolha conhecida como heliosfera que se estende muito além dos planetas do Sistema Solar. Durante décadas, os cientistas visualizaram a forma da heliosfera como aquela de um cometa, isto é, com uma cauda muito longa que se estende por cerca de 747 mil milhões de quilómetros, milhares de vezes a distância da Terra ao Sol.
Uma nova pesquisa financiada pela NASA sugere que a heliosfera é na realidade dominada por dois jatos gigantes de material expelido para fora por cima dos polos do Sol, jatos estes que estão confinados pela interação do campo magnético do Sol com o campo magnético interestelar. Estes curvam-se em duas caudas relativamente curtas mais para a parte traseira. O resultado final é uma heliosfera sem a tal longa cauda; uma heliosfera que mais se parece com uma lua crescente do que com um cometa. Adicionalmente, os dois jatos são semelhantes a outros jatos astrofísicos vistos no espaço, de modo que o seu estudo pode abrir portas para a compreensão destes jatos em todo o Universo. A investigação foi descrita num artigo publicado na edição de 19 de Fevereiro da revista Astrophysical Journal Letters.
"Todos supunham que a forma da heliosfera era moldada pelo fluxo de material interestelar que passava em seu redor," afirma Merav Opher, astrónoma da Universidade de Boston, EUA, autora principal do artigo. "Os cientistas pensavam que o vento solar que descia pela cauda podia facilmente puxar com ele os campos magnéticos na heliosfera, criando esta longa cauda. Mas ao que parece os campos magnéticos são fortes o suficiente para resistir a esta força - e ao invés apertam o vento solar, criando estes dois jatos."
Opher e colegas descobriram os jatos e determinaram a nova forma quando ajustaram simulações da heliosfera com base em observações recolhidas pela sonda Voyager 1 da NASA, que recentemente se mudou para o lado de fora da heliosfera e para o espaço interestelar. Como o primeiro objeto feito pelo Homem do lado de fora do nosso Sistema Solar, a Voyager forneceu o nosso único vislumbre, até agora, do meio interestelar e concedeu uma grande surpresa: os campos magnéticos "lá fora" estavam alinhados praticamente com os campos magnéticos "cá dentro", embora há muito se esperava que tivessem uma orientação diferente.
Opher - juntamente com o cientista espacial Jim Drake da Universidade de Maryland em College Park, coautor do artigo - já tinha previamente criado modelos da heliosfera com base em código desenvolvido pelos físicos espaciais da Universidade de Michigan. Os seus trabalhos anteriores focaram-se no nariz da heliosfera, tentando entender a física desse local à medida que viajamos através do espaço. A equipa criou uma simulação de resolução mais alta para ver se conseguia reproduzir os resultados inesperados da Voyager.
A nova simulação descreveu uma heliosfera totalmente diferente da anteriormente considerada.
"As Voyager tinham uma lanterna na cozinha, e ninguém estava à procura no sótão," comenta. "Nós notámos, ao estudar o drapejamento do campo magnético da Galáxia em torno do nariz, que a heliosfera era muito mais pequena do que o previsto."
Em vez de ser dominada unicamente pelo fluxo de material interestelar para criar uma cauda longa, a forma da heliosfera é também afetada pelos jatos de vento solar que emanam do Sol, explicou Drake.
"Se não houvesse um fluxo interestelar, então os campos magnéticos em torno do Sol moldariam o vento solar em dois jatos que apontavam diretamente para norte e para sul," comenta Drake. "Os campos magnéticos contraem-se à volta destes jatos, espremendo o vento solar como pasta de dentes ao sair do tubo."
Na presença do fluxo interestelar, estes jatos são curvados para trás, criando uma forma crescente, vista a partir de lado [do Sol]. Os jatos sofrem erosão na presença do forte fluxo interestelar, levando a duas caudas atenuadas e curtas. Por sua vez, isto leva a uma heliosfera muito mais curta com apenas 250 vezes a distância entre a Terra e o Sol, cerca de 37 mil milhões de quilómetros.
"Não só a forma da heliosfera é diferente do que pensávamos," diz Drake, "mas o mecanismo destes jatos é o mesmo que em muitos sistemas astrofísicos. Os jatos astrofísicos noutros lugares produzem partículas energéticas, mas são remotos e difíceis de diagnosticar. Os nossos jatos estão próximos e, portanto, podemos ser capazes de descobrir como produzem as partículas energéticas medidas na heliosfera."
Para suportar o seu modelo heliosférico, os cientistas voltaram-se para observações adicionais da cauda. Tanto a sonda Cassini como o IBEX (Interstellar Boundary Explorer) recolheram informações acerca do fim da cauda da heliosfera ao observar os chamados átomos energéticos neutros (ou ANEs). Os átomos energéticos neutros são criados por colisões de partículas energéticas no espaço e viajam convenientemente em linhas retas, ao contrário de muitas outras partículas no espaço. A observação de ANEs oriundos de uma certa área, por conseguinte, pode ser utilizada para mapear essa região.
"Os dados da Casssini mostraram uma quantidade similar de ANEs da cauda e do nariz," afirma Opher. "Sugerindo que o tamanho de ambos os lados é parecido, o que significa uma cauda curta."
Um artigo do IBEX, de 2013, também descrevia uma cauda com dois lóbulos. Opher e Drake sugerem que os lóbulos observados podem na realidade ter sido os dois jatos com material interestelar e não-heliosférico no meio. O artigo sobre os resultados do IBEX, no entanto, interpretou a heliosfera como tendo uma cauda longa.
Com tais resultados anteriores, Opher espera que o novo modelo seja controverso. "Isto vai ser muito, muito discutido," acrescenta, destacando que muitos cientistas trabalham com o modelo tradicional da heliosfera em forma de cometa. Mas, comenta, os resultados invulgares das observações destas sondas espaciais exigem uma explicação igualmente não convencional.
Entretanto, estes jatos recém-postulados são versões "bebé" dos jatos gigantes que existem em torno de objetos exóticos como buracos negros e pulsares. Também são observados em torno de protoestrelas. Se conseguirmos estudar estes jatos no nosso "quintal cósmico", isso dá-nos um laboratório caseiro para estudar uma estrutura que é vista em todo o Universo.
"Se estivermos corretos em relação a isto, concede-nos uma plataforma local de testes para explorar aspetos muito importantes da física," conclui Drake.
Uma nova simulação da heliosfera - a bolha magnética que rodeia o Sol - mostra que tem dois jatos relativamente pequenos fluindo a partir do nariz.
Crédito: M. Opher/AAS
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Cientistas pensam que a bolha magnética em redor do nosso Sol possa ser parecida com uma versão mais curta desta imagem da estrela BZ Cam (esquerda), em oposição a uma mais longa vista em torno da estrela Mira (direita).
Crédito: NASA/Casalegno/GALEX
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A forma amarela é a heliopausa, o limite entre a heliosfera e o meio interestelar local. O Sol está situado no centro desta bolha, mas é demasiado pequeno para ser visto aqui. As linhas a cinzento são as linhas do campo magnético solar e as linhas vermelhas são as linhas do campo magnético interestelar.
Crédito: M. Opher
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