
Esta é a primeira imagem de Sagitário A*, o buraco negro supermassivo no centro da nossa Galáxia.
Crédito: Colaboração EHT
A Colaboração internacional EHT (Event Horizon Telescope) obteve uma segunda imagem de um buraco negro - desta vez no centro da nossa própria galáxia, a Via Láctea. Mas para dar significado à imagem, a colaboração teve de a comparar com simulações do buraco negro.
Depois de mobilizar mais de 300 cientistas e engenheiros para estabelecer uma rede de telescópios sincronizados que formam um telescópio virtual do tamanho da Terra, a Colaboração internacional EHT capturou as primeiras imagens de sempre de buracos negros supermassivos. A primeira imagem, do buraco negro no centro da galáxia Messier 87, foi divulgada em 2019. A imagem mais recente, anunciada na passada quinta-feira, mostra o buraco negro no centro da nossa própria galáxia, a Via Láctea, chamado Sagitário A*.
Mas o que acontece depois destas imagens serem capturadas?
"A obtenção de uma imagem é apenas o começo. Para compreender realmente o objeto que estamos a observar, tivemos de o comparar com simulações", disse Chi-Kwan "CK" Chan, professor associado de investigação no Observatório Steward, da Faculdade de Ciências da Universidade do Arizona. Chan é o secretário do conselho científico do EHT e investigador sénior do projeto internacional BH PIRE (Black Hole Partnerships for International Research and Education), que trabalha no desenvolvimento de infraestruturas para dar início a projetos astronómicos como o EHT na era da ciência de dados gigantescos.
Chan é também um líder dos esforços de modelação teórica e interpretação da colaboração EHT para Sagitário A*, o tema da foto mais recente e de uma série de artigos científicos publicados pela Colaboração EHT na revista The Astrophysical Journal Letters. Coordenou o quinto artigo, que se centra na criação de simulações do buraco negro e na sua transformação em imagens sintéticas que podem ser comparadas com observações reais para nos ensinar algo novo sobre o buraco negro.
Como resultado deste processo, os cientistas do EHT determinaram que Sagitário A* está provavelmente a girar e que tem um campo magnético ligeiramente mais forte do que um íman de frigorífico, que é suficiente para empurrar para longe o gás próximo. O gás que cai no buraco negro forma um disco que, da Terra, parece ser visto de face e não de lado. Este disco de brilho difuso é constituído por gás superaquecido, ou plasma, e partículas carregadas. Os eletrões são 100 vezes mais frios do que os iões no plasma e o disco gira na mesma direção que o buraco negro. Além disso, apenas uma parte deste material cai no buraco negro. Se Sgr A* fosse uma pessoa, consumiria um único grão de arroz a cada milhão de anos.
Encontrando significado
A Universidade do Arizona, juntamente com a Universidade de Illinois e a Universidade de Harvard, lideraram o esforço para criar a maior coleção de simulações até à data, a que a Colaboração EHT chama a biblioteca de simulação. Esta biblioteca é constituída por milhares de conjuntos de dados - contendo informações sobre como o plasma interage com os campos magnéticos em torno de buracos negros - e milhões de imagens simuladas. Cada simulação assume algo diferente sobre as propriedades e características do buraco negro e do seu ambiente circundante.
Os cientistas do EHT podem comparar cada imagem simulada com a imagem real do buraco negro para encontrar uma correspondência. A simulação que cria o instantâneo com a correspondência mais próxima pode ensinar-nos algo sobre o buraco negro real, incluindo a temperatura do plasma e a força do seu campo magnético.
O processo de simulação envolve a utilização de supercomputadores para resolver o que se chama de equações magneto-hidrodinâmicas relativistas gerais (ou MHDRG), que revelam o movimento de material e energia em torno de buracos negros dentro de um espaço e tempo dramaticamente deformados. As simulações MHDRG são semelhantes às simulações usadas para compreender como o ar flui em torno de naves espaciais, disse Chan, mas as simulações MHDRG também influenciam as forças extremas da gravidade como descrito pela teoria da relatividade geral de Einstein e a interação entre os campos magnéticos e o plasma.
Ao contrário de equações mais simples, que podem ser resolvidas com lápis, papel e tempo, as equações MHDRG são muito mais complexas, pois são responsáveis pelo feedback constante entre os campos magnéticos e o plasma, resultando numa equação em constante mudança.
Para criar a biblioteca de simulações, a Colaboração EHT precisou de 80 milhões de horas de tempo de CPU, tempo de processamento, o que equivale a correr 2000 computadores portáteis à velocidade máxima durante um ano inteiro. A colaboração efetuou os cálculos para criar a biblioteca com o supercomputador Frontera no TACC (Texas Advanced Computing Center), financiado pela NSF (National Science Foundation), onde Chan é o principal investigador na alocação de parcerias a grande escala. Com este recurso, a equipa pôde terminar a biblioteca de simulações em dois meses.
"Para comparar simulações como esta com observações EHT, precisamos de fazer cálculos adicionais para traduzir os dados MHDRG também em imagens," disse Chan. "Estes tipos de cálculos são chamados de traçado de raios relativista geral."
O EHT foi concebido para detetar um comprimento de onda específico - 1,3 milímetros - no rádio a partir do buraco negro no Centro Galáctico. Para simular estas ondas de rádio e criar imagens, os cientistas traçam o caminho que a luz percorreu de volta ao buraco negro, mais uma vez utilizando supercomputadores.
Chan liderou grande parte dos esforços de cálculo do traçado de raios para Sagitário A* através do CyVerse, uma ciberinfraestrutura nacional com sede na Universidade do Arizona, e do Open Science Grid da NSF, um consórcio para o cálculo de grandes quantidades de dados. A equipa da Universidade do Arizona não só liderou o esforço para adquirir os recursos computacionais para executar estas simulações, como também criou o software que facilitou os cálculos.
O produto final são muitas animações e imagens simuladas de um buraco negro produzidas por diferentes suposições acerca da física subjacente. A equipa compara então essas animações e imagens com buracos negros reais.
Mais para aprender
Os estudantes da Universidade do Arizona desempenharam um papel importante em tornar a comparação possível. Yuan Jea Hew, recém-graduado que estudou astronomia, e Anthony Hsu, estudante no segundo ano de informática e matemática aplicada, desenvolveram algoritmos de análise de dados para tornar a comparação possível.
A colaboração baseou-se em 11 testes diferentes que as simulações do buraco negro tiveram de passar a fim de corresponder suficientemente ao buraco negro real.
"É notável que compreendemos Sagitário A* tão bem que temos alguns modelos aprovados em 10 dos 11 testes," disse Chan.
Os testes consideraram variáveis como o brilho de certos comprimentos de onda, o tamanho da imagem e o tamanho e largura do anel incandescente que rodeia o buraco negro.
"No entanto, nenhum modelo passou nos 11 testes," disse Chan. O teste que os modelos tiveram mais dificuldade em vencer foi o da variabilidade, que mede quanto o buraco negro muda de momento para momento. As simulações são mais variáveis do que o verdadeiro Sagitário A*.
"Não importa quanto tempo corramos as simulações para as deixar 'assentar', a maioria das simulações ainda falhou nesse teste," disse Chan. "Não correspondem bem à realidade, mas penso que isto é mais excitante do que se tudo simplesmente funcionasse. Agora, podemos aprender alguma nova física e compreender melhor o nosso próprio buraco negro."
Os professores da Universidade do Arizona que trabalham para compreender os buracos negros têm vindo a enfrentar este desafio há décadas e fizeram parte dos grupos de investigação que identificaram o buraco negro no centro da Via Láctea e o do centro da galáxia Messier 87 como alvos ideais de estudo. A universidade também contribuiu com dois dos oitos telescópios da rede EHT usados para criar estas imagens - o SMT (Submillimeter Telescope) no Monte Graham, no estado norte-americano do Arizona, e o SPT (South Pole Telescope) na Antártida. Em 2019, a Universidade do Arizona também adicionou o telescópio de 12 metros em Kitt Peak, igualmente no Arizona, à rede global.
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Uma vista entre duas filas de servidores Frontera no TACC (Texas Advanced Computing Center), onde Chi-Kwan "C.K." Chan da Universidade do Arizona é o investigador principal.
Crédito: TACC

A Colaboração EHT criou muitas possíveis imagens de Sagitário A* utilizando traçado de raios, uma técnica que prevê o aspeto dos buracos negros com base na Teoria da Relatividade Geral de Einstein. As imagens aqui mostradas foram criadas por Chi-kwan Chan, da Universidade do Arizona, no CyVerse e no Open Science Grid e visualizadas por Ben Prather da Universidade de Illinois, como parte de uma maior biblioteca de simulação organizada pelo Grupo de Trabalho Teórico do EHT.
Crédito: Colaboração
EHT
// Universidade do Arizona (comunicado de imprensa)
Saiba mais
CCVAlg - Astronomia:
13/05/2022 - Astrónomos divulgam primeira imagem do buraco negro no coração da nossa Galáxia
Sagitário A*:
Wikipedia
Buraco negro supermassivo:
Wikipedia
EHT (Event Horizon Telescope):
Página principal
Wikipedia
Projeto internacional BH PIRE ((Black Hole Partnerships for International Research and Education):
Página principal (Universidade do Arizona)
Supercomputador Frontera:
TACC
CyVerse:
Página principal
Traçado de raios:
Wikipedia |