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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL REVELA MATEMÁTICA INSUSPEITA SUBJACENTE À PROCURA POR EXOPLANETAS
27 de maio de 2022

 


Impressão de artista de uma estrela parecida com o Sol (esquerda) e de um planeta rochoso cerca de 60% maior do que a Terra em órbita na zona habitável. As microlentes gravitacionais têm a capacidade de detetar tais sistemas planetários e de determinar as massas e distâncias orbitais, mesmo que o planeta propriamente dito seja demasiado ténue para ser visto.
Crédito: Centro Espacial Ames da NASA/JPL-Caltech/T. Pyle

 

Algoritmos de inteligência artificial (IA), treinados em observações astronómicas reais, superaram agora o desempenho dos astrónomos na "peneiração" de grandes quantidades de dados para encontrar novas explosões estelares, identificar novos tipos de galáxias e detetar as fusões de estrelas massivas, acelerando o ritmo de novas descobertas na ciência mais antiga do mundo.

Mas a IA, também chamada de aprendizagem de máquina, pode revelar algo mais profundo, encontraram astrónomos da Universidade da Califórnia, em Berkeley: ligações insuspeitas escondidas na matemática complexa decorrente da relatividade geral - em particular, como essa teoria é aplicada à descoberta de novos planetas em torno de outras estrelas.

Num artigo publicado esta semana na revista Nature Astronomy, os investigadores descrevem como um algoritmo de aprendizagem de máquina foi desenvolvido para detetar mais rapidamente os exoplanetas quando tais sistemas planetários passam em frente de uma estrela de fundo e a iluminam brevemente - um processo chamado microlente gravitacional - revelando que as teorias com décadas usadas agora para explicar estas observações estão lamentavelmente incompletas.

Em 1936, o próprio Albert Einstein utilizou a sua nova teoria da relatividade geral para mostrar como a luz de uma estrela distante pode ser "dobrada" pela gravidade de uma estrela de primeiro plano, não só a iluminando como vista da Terra, mas muitas vezes dividindo-a em vários pontos de luz ou distorcendo-a num anel, agora chamado anel de Einstein. Isto é semelhante à forma como uma lupa pode focar e intensificar a luz do Sol.

Mas quando o objeto em primeiro plano é uma estrela com um planeta, o aumento de brilho ao longo do tempo - a curva de luz - torna-se mais complicado. Além disso, existem frequentemente múltiplas órbitas planetárias que podem explicar igualmente bem uma dada curva de luz - as chamadas degenerações. Foi aí que os humanos simplificaram a matemática e perderam o panorama geral.

O algoritmo de inteligência artificial, contudo, apontou para uma forma matemática de unificar os dois principais tipos de degeneração na interpretação do que os telescópios detetam durante a microlente, mostrando que as duas "teorias" são realmente casos especiais de uma teoria mais ampla que, admitem os investigadores, é provável que ainda esteja incompleta.

"Um algoritmo de inferência de aprendizagem de máquina que desenvolvemos anteriormente levou-nos a descobrir algo novo e fundamental sobre as equações que governam o efeito relativista geral da distorção da luz por dois corpos massivos," escreveu Joshua Bloom num blog no ano passado quando colocou o artigo científico no servidor de pré-impressão, arXiv. Bloom é professor de astronomia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e presidente do departamento.

Ele comparou a descoberta feita pelo estudante Keming Zhang, da mesma universidade, com as ligações que a equipa de IA da Google, a DeepMind, fez recentemente entre duas áreas diferentes da matemática. Em conjunto, estes exemplos mostram que os sistemas de aprendizagem de máquina podem revelar associações fundamentais que os humanos falham em descobrir.

"Defendo que constituem uma das primeiras, se não a primeira vez, que a IA foi usada para produzir diretamente novos conhecimentos teóricos na matemática e na astronomia," disse Bloom. "Tal como Steve Jobs sugeriu que os computadores poderiam ser as bicicletas da mente, temos procurado uma estrutura de inteligência artificial que servisse como um 'foguetão intelectual' para os cientistas."

"Isto é uma espécie de marco na IA e na aprendizagem de máquina," sublinhou o coautor Scott Gaudi, professor de astronomia na Universidade do Estado do Ohio e um dos pioneiros da utilização de microlentes gravitacionais na descoberta de exoplanetas. "O algoritmo de aprendizagem de máquina de Keming descobriu esta degeneração que tinha permanecido perdida por especialistas na matéria durante décadas. Isto é sugestivo de como a investigação irá decorrer no futuro quando for auxiliada pela aprendizagem de máquina, o que é realmente excitante."

Descobrindo exoplanetas com microlentes

Já foram descobertos mais de 5000 exoplanetas, planetas para lá do Sistema Solar, em torno de estrelas na Via Láctea, embora poucos tenham sido realmente vistos através de um telescópio - são demasiado fracos. A maioria foi detetada porque criam um efeito Doppler nos movimentos das suas estrelas hospedeiras ou porque escurecem ligeiramente a luz da estrela quando passam em frente dela - trânsitos que foram o foco da missão Kepler da NASA. Pouco mais de 100 foram descobertos por uma terceira técnica, microlentes.

Um dos principais objetivos do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA, com lançamento previsto para 2027, é descobrir mais milhares de exoplanetas através de microlentes. A técnica tem uma vantagem sobre as técnicas de velocidade radial e de trânsito na medida em que pode detetar planetas de baixa massa, incluindo os do tamanho da Terra, que estão longe das suas estrelas, a uma distância equivalente à de Júpiter ou Saturno no nosso Sistema Solar.

Bloom, Zhang e colegas decidiram, há dois anos, desenvolver um algoritmo de IA para analisar mais rapidamente os dados de microlentes a fim de determinar as massas estelares e planetárias destes sistemas e as distâncias a que os exoplanetas orbitam as suas estrelas. Tal algoritmo aceleraria a análise das prováveis centenas de milhares de eventos que o Telescópio Roman detetará para encontrar os 1% ou menos que são provocados pelos sistemas exoplanetários.

No entanto, um problema que os astrónomos encontram é que o sinal observado pode ser ambíguo. Quando uma estrela solitária em primeiro plano passa em frente de uma estrela de fundo, o brilho das estrelas de fundo sobe suavemente até um pico e depois cai simetricamente até ao seu brilho original. É fácil de compreender matematicamente e observacionalmente.

Mas se a estrela em primeiro plano tiver um planeta, o planeta cria um pico de luminosidade separado dentro do pico provocado pela estrela. Ao tentar reconstruir a configuração orbital do exoplaneta que produziu o sinal, a relatividade geral permite muitas vezes duas ou mais das chamadas soluções degeneradas, todas elas capazes de explicar as observações.

Até à data, os astrónomos têm geralmente lidado com estas degenerações de formas simplistas e artificialmente distintas, disse Gaudi. Se a luz da estrela distante passar perto da estrela em primeiro plano, as observações podem ser interpretadas como uma órbita larga ou próxima do planeta - uma ambiguidade que os astrónomos podem muitas vezes resolver com outros dados. Um segundo tipo de degeneração ocorre quando a luz estelar de fundo passa perto do planeta. Neste caso, contudo, as duas soluções diferentes para a órbita planetária são geralmente apenas ligeiramente diferentes.

Segundo Gaudi, estas duas simplificações da microlente gravitacional de dois corpos são normalmente suficientes para determinar as verdadeiras massas e distâncias orbitais. De facto, num artigo publicado no ano passado, Zhang, Bloom, Gaudi e dois outros coautores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, a professora de astronomia Jessica Lu e a estudante Casey Lam, descreveram um novo algoritmo de IA que não se baseia de todo no conhecimento destas interpretações. O algoritmo acelera em muito a análise de observações de microlentes, fornecendo resultados em milissegundos, em vez de dias, reduzindo drasticamente o tempo de processamento.

Zhang testou então o novo algoritmo de IA em curvas de luz de microlentes de centenas de possíveis configurações orbitais de estrelas e exoplanetas e notou algo invulgar: existiam outras ambiguidades que as duas interpretações não tinham em conta. Concluiu que as interpretações comummente utilizadas de microlente eram, de facto, apenas casos especiais de uma teoria mais ampla que explica toda a variedade de ambiguidades em eventos de microlente.

"As duas teorias anteriores de degeneração tratam de casos em que a estrela de fundo parece passar perto da estrela em primeiro plano ou do planeta em primeiro plano," disse Zhang. "O algoritmo de IA mostrou-nos centenas de exemplos não só destes dois casos, mas também situações em que a estrela de fundo não passa perto nem da estrela nem do planeta em primeiro plano e não podem ser explicadas por nenhuma das teorias anteriores. Isso foi fundamental para nós, ao propormos a nova teoria unificadora."

Gaudi permaneceu cético ao início, mas aceitou as conclusões depois de Zhang ter produzido muitos exemplos em que as duas teorias anteriores não encaixavam nas observações e a nova teoria encaixava. Zhang olhou realmente para os dados de duas dúzias de artigos anteriores que relatavam a descoberta de exoplanetas através de microlentes e descobriu que, em todos os casos, a nova teoria encaixava melhor nos dados do que as teorias anteriores.

"As pessoas estavam a ver estes eventos de microlente, que na realidade estavam a exibir esta nova degeneração mas não perceberam," disse Gaudi. "Foi só mesmo quando a aprendizagem de máquina analisou milhares de eventos que se tornou impossível de não perceber."

Zhang e Gaudi submeteram um novo artigo científico que descreve rigorosamente a nova matemática baseada na relatividade geral e que explora a teoria em situações de microlentes em que mais do que um exoplaneta orbita a estrela em primeiro plano.

A nova teoria torna tecnicamente mais ambígua a interpretação das observações de microlentes, uma vez que existem mais soluções degeneradas para descrever as observações. Mas a teoria também demonstra claramente que a observação do mesmo evento de microlente a partir de duas perspetivas - da Terra e em órbita pelo Telescópio Espacial Roman, por exemplo - vai tornar mais fácil a determinação correta das órbitas e massas. É isso que os astrónomos planeiam atualmente fazer, disse Gaudi.

"A inteligência artificial sugeriu uma forma de olhar para a equação da lente sob uma nova luz e descobrir algo realmente profundo sobre a matemática da mesma," disse Bloom. "A inteligência artificial está a emergir não só como este tipo de ferramenta bruta na nossa caixa de ferramentas, mas como algo que na realidade é bastante inteligente. Ao lado de um perito como Keming, os dois foram capazes de fazer algo bastante fundamental."

 

 


Visto da Terra, um sistema planetário movendo-se em frente de uma estrela de fundo ("source", direita) distorce a luz dessa estrela, fazendo-a brilhar até 10 ou 100 vezes mais. Uma vez que tanto a estrela como o exoplaneta do sistema "dobram" a luz da estrela de fundo, as massas e os parâmetros orbitais do sistema podem ser ambíguos. Um algoritmo de inteligência artificial desenvolvido por astrónomos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, contornou esse problema, mas também apontou erros na forma como os astrónomos têm interpretado a matemática das microlentes gravitacionais.
Crédito: diagrama cortesia de Research Gate


Este infográfico explica a curva de luz que os astrónomos detetam ao visualizar um evento de microlente, e a assinatura de um exoplaneta: uma subida adicional no brilho quando o exoplaneta atua como lente sobre a estrela de fundo.
Crédito: NASA/ESA/K. Sahu/STScI


// Universidade da Califórnia, Berkeley (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)
// Artigo científico (arXiv.org)
// Artigo científico sobre a análise de microlentes observadas pelo Telescópio Roman (The Astronomical Journal)
// Artigo científico sobre a análise de microlentes observadas pelo Telescópio Roman (arXiv.org)
// Artigo sobre a degeneração das microlentes (arXiv.org)

Saiba mais

Microlentes gravitacionais:
Wikipedia

Exoplanetas:
Wikipedia
Lista de planetas (Wikipedia)
Lista de exoplanetas potencialmente habitáveis (Wikipedia)
Lista de extremos (Wikipedia)
Open Exoplanet Catalogue
NASA
Enciclopédia dos Planetas Extrasolares
Lista de exoplanetas descobertos via microlentes (Wikipedia)

RST ([Nancy Grace] Roman Space Telescope, anteriormente WFIRST):
NASA
Wikipedia

 
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