ESTRELA PASSOU A 0,82 ANOS-LUZ DO SOL HÁ 70.000 ANOS ATRÁS
20 de fevereiro de 2015
Um grupo de astrónomos dos EUA, Europa, Chile e África do Sul determinaram que há 70.000 anos atrás uma estrela ténue, recém-descoberta, passou provavelmente pela distante nuvem de cometas do Sistema Solar, a Nuvem de Oort. Não se conhece nenhuma outra estrela que já se aproximou tanto do nosso Sistema Solar - cinco vezes mais do que a estrela mais próxima, Proxima Centauri.
Num artigo publicado recentemente na revista The Astrophysical Journal Letters, o autor principal Eric Mamajek (Universidade de Rochester) e colaboradores analisaram a velocidade e trajetória de um sistema de baixa massa apelidado "estrela de Scholz".
A trajetória da estrela sugere que há 70 mil anos atrás passou a aproximadamente 52 mil unidades astronómicas (cerca de 0,82 anos-luz ou 7,8 biliões de quilómetros). Em termos astronómicos, é uma distância pequena; a nossa vizinha estelar mais próxima, Proxima Centauri, está a 4,2 anos-luz. De facto, os astrónomos explicam no artigo que têm uma certeza de 98% de que passou por aquilo que é conhecido como a "Nuvem de Oort exterior" - uma região no limite do Sistema Solar cheia de biliões de cometas com mais de um quilómetro de diâmetro e que se pensa que seja a origem dos cometas de longo período que orbitam o Sol quando as suas órbitas são perturbadas.
A estrela originalmente chamou a atenção de Mamajek durante uma discussão com o coautor Valentin D. Ivanov, do ESO. A estrela de Scholz tem uma mistura invulgar de características: apesar de estar relativamente perto (a "apenas" 20 anos-luz de distância), tem um movimento tangencial lento (isto é, o movimento pelo céu). No entanto, as medições da velocidade radial obtidas por Ivanov e colaboradores mostraram que a estrela movia-se quase na direção oposta do Sistema Solar a uma velocidade considerável.
"A maioria das estrelas assim tão próximas têm movimentos tangenciais muito maiores," explica Mamajek, professor associado de física e astronomia da Universidade de Rochester. "O pequeno movimento tangencial e a proximidade indicaram inicialmente que ou a estrela provavelmente movia-se para um encontro futuro com o Sistema Solar, ou que 'recentemente' tinha passado perto do Sistema Solar e estava a afastar-se. Bem dito, bem feito: as medições da velocidade radial eram consistentes com a fuga da vizinhança do Sol - e percebemos que deve ter tido uma passagem rasante no passado."
Para determinar a sua trajetória os astrónomos precisaram de ambos os conjuntos de dados, a velocidade tangencial e a velocidade radial. Ivanov e colaboradores tinham caracterizado a estrela recém-descoberta através da medição do seu espectro e da velocidade radial via efeito Doppler. As medições foram realizadas com espectrógrafos em grandes telescópios tanto na África do Sul como no Chile: o SALT (Southern African Large Telescope) e o telescópio Magalhães no Observatório de Las Campanas, respetivamente.
Assim que os cientistas reuniram todas as informações, descobriram que a estrela de Shcholz estava a afastar-se do Sistema Solar e seguiram-na de volta no tempo para a sua posição há 70 mil anos atrás, quando os seus modelos indicavam a distância mínima ao Sol.
Até agora, o principal candidato para passagem mais rasante de uma estrela pelo Sistema Solar era a chamada "estrela errante" HIP 85605. Os astrónomos previram que esta passaria perto do nosso Sistema Solar daqui a 240-470 mil anos. No entanto, Mamajek e colaboradores também demonstraram que a distância original até HIP 85605 foi provavelmente subestimada por um fator de dez. À sua distância mais provável - cerca de 200 anos-luz - a recém-calculada trajetória de HIP 85605 não a transporta para dentro da Nuvem de Oort.
Mamajek trabalhou com Scott Barenfeld (anteriormente estudante de Rochester e agora em Caltech) para simular 10.000 órbitas da estrela, tendo em conta a sua posição, distância, velocidade, o campo gravitacional da Via Láctea e as incertezas estatísticas em todas estas medições. Das 10.000 simulações, 98% mostraram que a estrela passava pela Nuvem de Oort exterior mas, felizmente, apenas uma das simulações trouxe a estrela até à Nuvem de Oort interior, o que poderia desencadear as chamadas "chuvas de cometas".
Enquanto o voo rasante da estrela de Scholz provavelmente teve pouco impacto sobre a Nuvem de Oort, Mamajek assinala que "outros objetos dinamicamente importantes e perturbadores da Nuvem de Oort podem estar à espreita entre estrelas próximas." A ESA lançou recentemente o satélite Gaia e espera-se que determine as distâncias e velocidades de mil milhões de estrelas. Com os dados do Gaia, os astrónomos serão capazes de dizer quais as estrelas que tiveram encontros próximos com o Sistema Solar no passado ou quais as que terão no futuro distante.
Atualmente, a estrela de Scholz é uma pequena e ténue anã vermelha na constelação de Unicórnio, a cerca de 20 anos-luz de distância. No ponto mais próximo da sua passagem pelo Sistema Solar, a estrela de Scholz teria magnitude 10 - cerca de 50 vezes mais ténue do que o olho humano consegue observar à vista desarmada. No entanto, é magneticamente ativa, o que pode fazer com que as estrelas entrem em erupção e se tornem momentaneamente milhares de vezes mais brilhantes. Por isso é possível que, durante tais eventos raros, a estrela de Scholz tenha sido visível a olho nu pelos nossos antepassados durante minutos ou horas.
A estrela faz parte de um sistema binário constituído pela anã vermelha de baixa massa (com cerca de 8% da massa do Sol) e por uma anã castanha (com 6% da massa do Sol). As anãs castanhas são consideradas "estrelas falhadas"; as suas massas são demasiado baixas para fundir hidrogénio no núcleo como uma "estrela", mas são ainda muito mais maciças do que os planetas gigantes como Júpiter.
A designação formal da estrela é "WISE J072003.20-084651.2". No entanto, tem a alcunha de "estrela de Scholz" em honra ao seu descobridor - o astrónomo Ralf-Dieter Scholz do Instituto Leibniz para Astrofísica em Potsdam, Alemanha, que foi o primeiro a relatar a descoberta da ténue estrela no final de 2013. A parte "WISE" da designação refere-se à missão WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer) da NASA, que mapeou o céu inteiro no infravermelho em 2010 e 2011. O "número-J" refere-se às coordenadas celestes da estrela.
Impressão de artista da estrela de Scholz e da sua anã castanha (no plano da frente) durante a sua passagem rasante pelo Sistema Solar há 70.000 anos atrás. O Sol (esquerda, plano de fundo) apareceria como uma estrela brilhante. O par está agora a cerca de 20 anos-luz de distância.
Crédito: Michael Osadciw/Universidade de Rochester
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Esta imagem mostra o movimento da estrela de Scholz (centro) contra um fundo de estrelas mais distantes. À imagem foram adicionadas outras três do mesmo campo estelar obtidas com anos de diferença. O ponto vermelho no meio mostra a posição da estrela de Scholz há 60 anos atrás. O ponto azul mostra a sua posição atual. A seta branca mostra como a estrela vai mover-se pelo céu durante os próximos 200 anos.
Crédito: V. D. Ivanov, DSS e 2MASS
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Diagrama que mostra a escala do nosso Sistema Solar. A barra de escalas é medida em UA (unidades astronómicas), cada intervalo para lá da 1 UA representando 10 vezes a distância anterior (escala logarítmica). Uma UA é a distância Terra-Sol, cerca de 150 milhões de quilómetros. Neptuno, o planeta mais distante do Sol, está a aproximadamente 30 UA. Considera-se que o Sistema Solar alcance a Nuvem de Oort, a fonte dos cometas de longo período. Para lá fronteira exterior da Nuvem de Oort, a gravidade das outras estrelas começa a superar a gravidade do Sol. Note a posição da sonda Voyager 1, o objeto mais distante feito pelo Homem.
Crédito: NASA
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