SOLAR ORBITER: TRANSFORMAR IMAGENS EM FÍSICA 18 de dezembro de 2020
Imagem do Sol pela Solar Orbiter, parte de uma animação composta por exposições capturadas entre 17 e 21 de junho de 2020.
Crédito: Solar Orbiter/Equipa EUI/ESA & NASA; CSL, IAS, MPS, PMOD/WRC, ROB, UCL/MSSL, LFO/IO; Imperial College
Os resultados mais recentes da Solar Orbiter mostram que a missão está a fazer as primeiras ligações diretas entre os eventos na superfície solar e o que está a acontecer no espaço interplanetário ao redor da aeronave. Também nos está a dar novas perspetivas sobre "fogueiras" solares, clima espacial e cometas em desintegração.
"Não poderia estar mais satisfeito com o desempenho da Solar Orbiter e as várias equipas que a mantêm e aos seus instrumentos em operação," disse Daniel Müller, cientista do projeto Solar Orbiter da ESA.
"Este ano tem sido um verdadeiro esforço da equipa em circunstâncias difíceis e agora estamos a começar a ver estes esforços realmente a valer a pena."
Os dez instrumentos científicos da Solar Orbiter estão divididos em dois grupos. Existem seis telescópios de sensoriamento remoto e quatro instrumentos in situ. Os instrumentos de sensoriamento remoto olham para o Sol e para a sua extensa atmosfera, a coroa. Os instrumentos in situ medem as partículas ao redor da aeronave que foram libertadas pelo Sol e são conhecidas como vento solar, juntamente com os seus campos magnéticos e elétricos. Rastrear a origem dessas partículas e campos de volta à superfície solar é um dos objetivos principais da Solar Orbiter.
Durante a primeira passagem da Solar Orbiter perto do Sol, que ocorreu a 15 de junho em que a aeronave se aproximou a 77 milhões de quilómetros, tanto o sensoriamento remoto quanto os instrumentos in situ estavam a registar dados.
Pegadas do vento solar
Os dados da Solar Orbiter tornaram possível calcular a região de origem do vento solar que atinge a aeronave e identificar essa "pegada" nas imagens de sensoriamento remoto. Num exemplo estudado em junho de 2020, a pegada é vista na borda de uma região denominada "buraco coronal", onde o campo magnético do Sol alcança o espaço, permitindo que o vento solar flua.
Embora o trabalho seja preliminar, ainda está além de tudo o que foi possível até agora.
"Nunca antes fomos capazes de mapear com esta precisão," disse Tim Horbury, Imperial College, Londres, e presidente do Solar Orbiter In-Situ Working Group.
Física das fogueiras
A Solar Orbiter também tem novas informações sobre as "fogueiras" do Sol que chamaram a atenção do mundo no início deste ano.
As primeiras imagens da missão mostraram uma infinidade do que parecia ser minúsculas erupções solares a explodir na superfície do Sol. Os cientistas chamaram-nas de fogueiras porque a energia exata associada a esses eventos ainda não é conhecida. Sem a energia, ainda não está claro se são o mesmo fenómeno que outros eventos eruptivos de menor escala que foram observados por outras missões. O que torna tudo tão tentador é que há muito se pensa que "nano-chamas" de pequena escala existem no Sol, mas nunca antes tivemos os meios de observar eventos tão pequenos.
"As fogueiras podem ser as nano-chamas que buscamos com a Solar Orbiter," diz Frédéric Auchère, Institut d’Astrophysique Spatiale, Orsay, França, e presidente do Solar Orbiter Remote-Sensing Working Group.
Isto é importante porque teoriza-se que as nano-chamas são responsáveis pelo aquecimento da coroa, a atmosfera externa do sol. O fato de que a coroa está a cerca de um milhão de graus Celsius, enquanto a superfície tem apenas cerca de 5000 graus, ainda é uma das questões mais intrigantes na física solar hoje. Investigar este mistério é um dos principais objetivos científicos da Solar Orbiter.
Para explorar a ideia, os investigadores têm analisado dados pelo instrumento SPICE (Spectral Imaging of the Coronal Environment) da Solar Orbiter. O SPICE está projetado para revelar a velocidade do gás na superfície solar. Este mostrou que realmente existem eventos de pequena escala nos quais o gás se está a mover com uma velocidade significativa, mas ainda não foi feita a pesquisa por uma correlação com as fogueiras.
"Neste momento, só temos os dados de comissionamento, obtidos quando as equipas ainda estavam a aprender o comportamento dos seus instrumentos no espaço, e os resultados são muito preliminares. Mas, claramente, vemos coisas muito interessantes," diz Frédéric. "A Solar Orbiter tem tudo a ver com descoberta e isso é muito emocionante."
Surfar na cauda de um cometa
Assim como o progresso em direção aos objetivos científicos planeados da Solar Orbiter, também houve ciência acidental da aeronave.
Logo após a Solar Orbiter ser lançada, foi notado que voaria abaixo do Cometa ATLAS, passando pelas suas duas caudas. Embora a Solar Orbiter não tenha sido projetada para tal encontro, e não devesse estar a obter dados científicos nesse momento, os especialistas da missão trabalharam para garantir que todos os instrumentos in situ registassem o encontro único.
Mas a Natureza tinha mais uma carta a jogar: o cometa desintegrou-se antes que a aeronave se aproximasse. Portanto, em vez dos esperados sinais fortes vindos das caudas, era perfeitamente possível que a aeronave não visse absolutamente nada.
Esse não foi o caso. A Solar Orbiter viu assinaturas nos dados do cometa ATLAS, mas não o tipo de coisa que os cientistas normalmente esperariam. Em vez de um cruzamento de cauda forte e único, a aeronave detetou vários episódios de ondas nos dados magnéticos. Também detetou poeira em fragmentos. Provavelmente, foram libertados do interior do cometa, pois este dividiu-se em vários pedaços pequenos.
"Esta é a primeira vez que viajamos essencialmente através da cauda de um cometa que se está a desintegrar," diz Tim. "Há muitos dados realmente interessantes, e é outro exemplo do tipo de ciência fortuita de alta qualidade que podemos fazer com a Solar Orbiter."
Clima espacial furtivo
A Solar Orbiter tem vindo a medir o vento solar durante grande parte do seu tempo no espaço, registando uma série de ejeções de partículas do sol. Depois, a 19 de abril, uma ejeção de massa coronal particularmente interessante varreu a Solar Orbiter.
Uma ejeção de massa coronal, ou EMC, é um grande evento climático espacial, no qual milhares de milhões de toneladas de partículas podem ser ejetadas da atmosfera externa do Sol. Durante esta EMC específica, que irrompeu do Sol a 14 de abril, a Solar Orbiter estava a cerca de vinte por cento do caminho da Terra ao Sol.
A Solar Orbiter não foi a única aeronave que observou este evento. A missão BepiColombo Mercury da ESA estava, por acaso, a voar pela Terra na altura. Havia também uma aeronave solar da NASA, chamada STEREO, situada a cerca de noventa graus de distância da linha direta Sol-Terra, e a olhar diretamente para a área do espaço que a EMC viajou. Observou o impacto da EMC na Solar Orbiter e, em seguida, na BepiColombo e na Terra. A combinação das medições de todas as diferentes aeronaves permitiu aos investigadores realmente estudar a maneira como a ejeção de massa coronal evoluiu ao viajar pelo espaço.
Isto é conhecido como ciência multiponto e, graças ao número de aeronaves agora no sistema solar interno, tornar-se-á uma ferramenta cada vez mais poderosa na nossa busca para compreender o vento solar e o clima espacial.
"Podemos olhar para ele remotamente, podemos medi-lo in situ e podemos ver como uma EMC muda conforme se desloca em direção à Terra," diz Tim.
Talvez tão intrigantes quanto a aeronave que observou o evento, foram aquelas que não o fizeram. A aeronave SOHO da ESA-NASA, que está situada em frente à Terra e constantemente a observar o Sol em busca de erupções como esta, mal a registou. Isto coloca o evento de 19 de abril numa classe rara de eventos climáticos espaciais, denominada EMC fortuita. O estudo destes eventos mais elusivos ajudar-nos-á a entender o clima espacial de maneira mais completa.
Nos próximos anos, as oportunidades para a ciência multiponto aumentarão. No dia 27 de dezembro, a Solar Orbiter completará o seu primeiro sobrevoo em Vénus. Este evento usará a gravidade do planeta para mover a aeronave para mais perto do Sol, colocando a Solar Orbiter numa posição ainda melhor para medições conjuntas com a Parker Solar Probe da NASA, que também completará dois sobrevoos a Vénus em 2021.
Enquanto a Parker Solar Probe faz medições in situ de dentro da atmosfera solar, a Solar Orbiter obterá imagens da mesma região. Juntas, as duas aeronaves fornecerão os detalhes e uma perspetiva mais alargada.
"2021 será um momento emocionante para a Solar Orbiter", disse Teresa Nieves-Chinchilla, cientista do Projeto Solar Orbiter da NASA. "Até ao final do ano, todos os instrumentos estarão a trabalhar juntos em pleno modo de ciência, e estaremos a preparar-nos para chegar ainda mais perto do Sol."
Em 2022, a Solar Orbiter estará quase a 48 milhões de quilómetros da superfície do Sol, mais de 20 milhões de quilómetros mais perto do que em 2021.
Imagem de alta-resolução pelo EUI (Extreme Ultraviolet Imager) a bordo da sonda Solar Orbiter da ESA, obtida com o telescópio HRIEUV no dia 30 de maio de 2020. O círculo no canto inferior esquerdo indica o tamanho da Terra para escala. A seta aponta para uma das características da superfície solar, chamadas "fogueiras" e reveladas pela primeira vez por estas imagens.
No dia 30 de maio, a Solar Orbiter estava mais ou menos a meio do caminho entre a Terra e o Sol, o que significa que estava mais perto do Sol do que qualquer outro telescópio solar até à data.
Crédito: Solar Orbiter/Equipa EUI/ESA & NASA; CSL, IAS, MPS, PMOD/WRC, ROB, UCL/MSSL
O EPD (Energetic Particle Detector) da Solar Orbiter foi ligado e tem vindo a recolher dados desde março de 2020. Recolheu agora dados correspondentes a uma órbita inteira.
O EDP mede as partículas energéticas que passam pela sonda. Olhe para a sua composição e variação ao longo do tempo. Os dados vão ajudar os cientistas a investigar as fontes, mecanismos de aceleração e processos de transporte destas partículas.
O diagrama mostra o fluxo de partículas capturadas pela nave durante a sua primeira órbita (os primeiros dados não estão incluídos para evitar a sobreposição no diagrama). O fluxo é calculado a partir do ritmo a que as partículas energéticas entram no instrumento e representa eventos do clima espacial no vento solar. Os picos indicam os fluxos de eletrões (vistos aqui como picos que apontam para o Sol nesta representação) e iões (picos que apontam para longe do Sol), a uma escala logarítmica.
O vento solar é a corrente constante de partículas libertadas pelo Sol. Eventos energéticos como proeminências solares e ejeções de massa coronal podem acelerar e expelir grandes quantidades de partículas altamente energéticas. Embora o Sol tenha permanecido relativamente inativo este ano, ainda houveram vários eventos do clima espacial que aumentaram dramaticamente o número de partículas energéticas que passavam pela Solar Orbiter.
Embora este gráfico tenha dados do ED, os outros três instrumentos in situ da Solar Orbiter também estão construídos para estudar estes eventos com detalhes sem precedentes. Os outros instrumentos são o MAG (Magnetometer), o RPW (Radio and Plasma Waves) e o SWA (Solar Wind Plasma Analyser).
Ao levar estes instrumentos topo-de-gama perto do Sol, a Solar Orbiter é capaz de usar estes grandes fluxos de dados para capturar detalhes com mais fidelidade que nunca. No caso do EPD, os investigadores já estão a ver variações rápidas no número de partículas associadas com mudanças no campo magnético, tal como observado pelo MAG.
Isto está a revelar estruturas a pequena escala e novas interações físicas no vento solar que nunca haviam sido vistas antes.
Crédito: Solar Orbiter/EPD (ESA & NASA)
Alguns meses após o lançamento em fevereiro da Solar Orbiter, esta mediu os efeitos de uma ejeção de massa coronal (EMC) oriunda do Sol. Medições semelhantes de outras naves da ESA e da NASA permitiram o acompanhamento da EMC durante a sua passagem de cinco dias do Sol à Terra.
Uma EMC é uma enorme erupção de partículas da atmosfera solar, a coroa, e viaja através do Sistema Solar. As EMCs são uma parte importante do "clima espacial". As partículas desencadeiam auroras em planetas com atmosferas, e podem provocar avarias em várias tecnologias. Também podem ser perigosas para astronautas desprotegidos. De modo que é importante compreender as EMCs e ser capaz de seguir o seu progresso.
A EMC que a Solar Orbiter detetou no dia 19 de abril não foi particularmente grande ou poderosa. A SOHO da ESA, que observa EMCs que se deslocam para a Terra , praticamente não registou a erupção. No entanto, os seus efeitos foram medidos pela Solar Orbiter e mais tarde pela BepiColombo.
Também foi observada pela STEREO-A da NASA, situada a cerca de 90º para lá da linha direta Sol-Terra, e a observar diretamente para uma área do espaço por onde a EMC viajou.
A EMC entrou em erupção no dia 14 de abril às 21:54 GMT. Passou a Solar Orbiter, que estava a dirigir-se na direção da Terra, mais perto de Vénus, às 05:07 de dia 19 de abril. A BepiColombo, que estava mais perto da Terra, detetou a EMC às 07:00 GMT do mesmo dia, e finalmente passou pela Terra às 02:30 GMT de dia 20 de abril.
Com esta quantidade de dados, os investigadores podem traçar o movimento e evolução da EMC pelo tempo e pelo espaço. Representa um exemplo de "ciência multiponto", que tornar-se-á no futuro uma característica da Solar Orbiter à medida que os cientistas correlacionam as suas medições com dados de outras naves espaciais no Sistema Solar interior.
Crédito: ESA