CIENTISTAS ENCONTRAM EVIDÊNCIAS DE QUE O INÍCIO DO SISTEMA SOLAR ABRIGAVA UMA LACUNA ENTRE AS REGIÕES INTERNA E EXTERNA 19 de outubro de 2021
Um estudo sugere que uma lacuna misteriosa existia no disco protoplanetário do Sistema Solar há cerca de 4,567 mil milhões de anos, e provavelmente moldou a composição dos planetas. Esta imagem mostra uma interpretação de artista de um disco protoplanetário.
Crédito: NSF, A. Khan
No início do Sistema Solar, um "disco protoplanetário" de poeira e gás girou em torno do Sol e eventualmente coalesceu nos planetas que conhecemos hoje.
Uma nova análise de meteoritos por cientistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e de outras instituições sugere que existia uma lacuna misteriosa dentro deste disco há cerca de 4,567 mil milhões de anos, perto do local onde a cintura de asteroides reside hoje.
Os resultados da equipa, publicados na revista Science Advances, fornecem evidências diretas desta lacuna.
"Ao longo da última década, observações têm mostrado que cavidades, lacunas e anéis são comuns em discos em torno de outras estrelas jovens," diz Benjamin Weiss, professor de ciências planetárias no Departamento EAPS (Earth, Atmospheric and Planetary Sciences) do MIT. "Estas são assinaturas importantes, mas mal compreendidas, dos processos físicos pelos quais o gás e a poeira se transformam no jovem Sol e nos planetas."
Da mesma forma, a causa de tal lacuna no nosso próprio Sistema permanece um mistério. Uma possibilidade é que Júpiter possa ter sido uma influência. À medida que o gigante gasoso tomava forma, a sua imensa atração gravitacional pode ter empurrado o gás e a poeira para os arredores, deixando para trás uma lacuna no disco em desenvolvimento.
Outra explicação pode ter a ver com ventos que emergiam da superfície do disco. Os sistemas planetários jovens são governados por fortes campos magnéticos. Quando estes campos interagem com um disco giratório de gás e poeira, podem produzir ventos poderosos o suficiente para soprar o material, deixando para trás uma lacuna no disco.
Independentemente das suas origens, uma lacuna no início do Sistema Solar provavelmente serviu como uma fronteira cósmica, impedindo que o material de ambos os lados interagisse. Esta separação física pode ter moldado a composição dos planetas do Sistema Solar. Por exemplo, no lado interno da divisão, o gás e a poeira coalesceram como planetas terrestres, incluindo a Terra e Marte, enquanto o gás e a poeira foram relegados para o lado mais distante da lacuna formada em regiões mais geladas, como Júpiter e os seus gigantes gasosos vizinhos.
"É muito difícil cruzar esta lacuna, e um planeta precisaria de muito torque externo e momento," diz Cauê Borlina, autor principal e estudante no EAPS. "De modo que isto fornece evidências de que a formação dos nossos planetas foi restrita a regiões específicas no início do Sistema Solar."
Os coautores de Borlina e Weiss incluem Eduardo Lima, Nilanjan Chatterjee e Elias Mansbach do MIT; James Bryson da Universidade de Oxford e Xue-Ning Bai da Universidade Tsinghua.
Uma divisão no espaço
Ao longo da última década, os cientistas têm observado uma curiosa divisão na composição dos meteoritos que chegaram à Terra. Estas rochas espaciais formaram-se originalmente em diferentes épocas e locais à medida que o Sistema Solar estava tomando forma. Aqueles que foram analisados exibem uma de duas combinações isotópicas. Raramente foram encontrados meteoritos que exibem ambas - um enigma conhecido como "dicotomia isotópica".
Os cientistas propuseram que esta dicotomia pode ser o resultado de uma lacuna no disco do Sistema Solar inicial, mas essa lacuna não tinha sido confirmada diretamente.
O grupo de Weiss analisa meteoritos em busca de sinais de campos magnéticos antigos. À medida que um jovem sistema planetário toma forma, transporta consigo um campo magnético, cuja força e direção podem mudar dependendo de vários processos dentro do disco em evolução. À medida que a poeira antiga se reunia em grãos conhecidos como côndrulos, os eletrões dentro dos côndrulos alinharam-se com o campo magnético no qual se formaram.
Os côndrulos podem ser mais pequenos do que o diâmetro de um cabelo humano e são encontrados hoje em meteoritos. O grupo de Weiss especializa-se em medir côndrulos para identificar os antigos campos magnéticos nos quais se formaram originalmente.
Em trabalhos anteriores, o grupo analisou amostras de um dos dois grupos isotópicos de meteoritos, conhecidos como meteoritos não carbonáceos. Pensa-se que estas rochas tenham tido origem num "reservatório", ou região do início do Sistema Solar, relativamente perto do Sol. O grupo de Weiss identificou anteriormente o antigo campo magnético em amostras desta região próxima.
Uma incompatibilidade meteorítica
No seu novo estudo, os investigadores perguntaram-se se o campo magnético seria o mesmo no segundo grupo isotópico, "carbonáceo" de meteoritos que, a julgar pela sua composição isotópica, pensa-se que tenham tido origem mais longe no Sistema Solar.
Eles analisaram côndrulos, cada um medindo cerca de 100 micrómetros, de dois meteoritos carbonáceos que foram descobertos na Antártica. "Usando o SQUID (superconducting quantum interference device), um microscópio de alta precisão no laboratório de Weiss, a equipa determinou o campo magnético antigo e original de cada côndrulo.
Surpreendentemente, descobriram que a sua força de campo era mais forte do que a dos meteoritos não carbonáceos mais próximos medidos anteriormente. À medida que os jovens sistemas planetários tomam forma, os cientistas esperam que a força do campo magnético diminua com a distância ao Sol.
Em contraste, Borlina e colegas descobriram que os côndrulos distantes tinham um campo magnético mais forte, de cerca de 100 microteslas, em comparação com um campo de 50 microteslas nos côndrulos mais próximos. Para referência, o campo magnético da Terra ronda hoje os 50 microteslas.
O campo magnético de um sistema planetário é uma medida do seu ritmo de acreção, ou a quantidade de gás e poeira que pode atrair para o seu centro ao longo do tempo. Com base no campo magnético dos côndrulos carbonáceos, a região mais exterior do Sistema Solar deve ter acretado muito mais massa do que a região interior.
Usando modelos para simular vários cenários, a equipa concluiu que a explicação mais provável para a incompatibilidade nas taxas de acreção é a existência de uma lacuna entre as regiões interior e exterior, o que poderia ter reduzido a quantidade de gás e poeira que fluía em direção ao Sol a partir das regiões exteriores.
"As lacunas são comuns nos sistemas protoplanetários, e agora mostrámos que tínhamos uma no nosso próprio Sistema Solar," diz Borlina. "Isto responde a esta dicotomia estranha que vemos nos meteoritos e fornece evidências de que as lacunas afetam diretamente a composição dos planetas."