ESPRESSO PÕE À PROVA AS CONSTANTES FÍSICAS 24 de dezembro de 2021
Os telescópios VLT do ESO, onde o ESPRESSO está localizado e, sobreposto, o espectro medido no desvio para o vermelho 1,15 na direção do quasar HE0515-4414 utilizado para medir a constante de estrutura fina.
Crédito: Gabriel Pérez Díaz, SMM (IAC)
Porque é que a gravidade tem a força que tem? O que determina, exatamente, o valor da força eletromagnética? As leis da Física são as mesmas em qualquer parte do Universo e em qualquer instante no tempo? As medições feitas com o espectrógrafo de alta resolução ESPRESSO acoplado ao VLT (Very Large Telescope) permitiram a determinação de uma das constantes fundamentais da Física quando o Universo tinha apenas 40% da sua idade atual, ajudando a encontrar uma resposta a uma destas questões. O estudo, no qual participou um grupo de investigadores do IAC (Instituto de Astrofísica das Canárias), foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics.
Muitos dos fenómenos físicos mais básicos são determinados por um conjunto de "constantes fundamentais", cujos valores conhecemos graças a experiências com elevada precisão. Apesar disto, do nosso conhecimento sobre a natureza do Universo, mesmo no quadro do modelo padrão da Física, provavelmente o modelo teórico mais bem-sucedido da história humana, não temos um método para prever os valores exatos destas constantes. Também não sabemos claramente se são realmente "constantes universais", ou seja, se têm valores idênticos em todo o Universo, ou se tiveram os mesmos valores no passado. Mostrar se são realmente constantes é uma questão básica da Física. A descoberta de indícios de uma possível variação (seja no tempo, seja no espaço) de uma destas constantes provavelmente tornaria necessário o desenvolvimento de novos modelos ou teorias que modificam ou estendem o modelo padrão atual.
Embora não seja difícil medir o valor destas constantes com alta precisão em laboratórios na Terra, a sua medição noutras partes do Universo implica normalmente a utilização de métodos de deteção indireta e a utilização dos instrumentos mais avançados. Foi isso que os cientistas fizeram neste estudo, publicado na revista Astronomy & Astrophysics, usando dados do espectrógrafo ESPRESSO no VLT (Very Large Telescope) de 8,2 metros, no Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile.
"O que descobrimos é que a força eletromagnética tinha o mesmo valor há 8 mil milhões de anos atrás que tem hoje," diz Michael Murphy (Universidade Swinburne, Austrália), primeiro autor do artigo. "Para mostrar isto, medimos o valor da chamada 'constante de estrutura fina', geralmente escrita como alfa, medindo as transições espectrais numa nuvem com o desvio para o vermelho de 1,15, que está tão longe que os fotões envolvidos nas transições levaram cerca de 8 mil milhões de anos a chegar até nós," explica Ricardo Génova Santos, investigador do IAC e um dos autores do artigo científico.
Medições com outros espectrógrafos, também nos telescópios do VLT, ou nos telescópios Keck no Hawaii, já tinham fornecido dezenas, até centenas de medições de alfa neste sistema e noutros, ao longo das últimas duas décadas. Em alguns casos, pareciam mostrar variações em alfa, no tempo ou mesmo com a posição no céu. No entanto, não havia concordância científica acerca da fiabilidade dessas medições. Havia dúvidas sobre se os espectrógrafos poderiam produzir efeitos instrumentais, produzindo variações semelhantes às esperadas nas variações do alfa. "Por isso pensámos num novo tipo de espectrógrafo ESPRESSO, que tem um controlo muito melhor destes efeitos sistemáticos, de modo que após 12 anos de construção, e um grande esforço, temos agora o instrumento ideal para fazer medições precisas de alfa," explica Rafael Rebolo, investigador principal do ESPRESSO no IAC.
O ESPRESSO, construído por um consórcio formado pelo IAC, pela Universidade de Genebra, pelo Observatório de Trieste e pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço no Porto, é um espectrógrafo extremamente estável, montado numa câmara de vácuo por baixo dos quatro telescópios que perfazem o VLT no ESO. Os espectros medidos são calibrados utilizando uma nova técnica chamada "pente de frequência laser", que produz uma calibração extraordinariamente precisa e estável em termos de comprimentos de onda. Esta é uma das principais características do instrumento e o que lhe tem permitido fazer medições precisas de alfa, com uma precisão notável de apenas uma parte por milhão. "Este incrível grau de precisão na calibração do comprimento de onda também torna o ESPRESSO um instrumento único para o estudo e caracterização de exoplanetas usando o método de velocidade radial," explica Jonay Gonzalez, investigador do IAC e coautor do artigo científico.
O design do ESPRESSO foi inspirado pelo HARPS, um espectrógrafo no telescópio de 3,6 metros do ESO. Do mesmo modo, o futuro espectrógrafo HIRES do ELT (European Large Telescope) será inspirado pelo ESPRESSO, e beneficiará de uma área de recolha muito maior para continuar a avançar neste tipo de estudos, obtendo medições ou limites à variação do alfa e de outras constantes fundamentais que podem lançar luz sobre fenómenos físicos ainda desconhecidos.
A equipa do IAC que participou neste trabalho é composta por Ricardo Tanausú Génova Santos, Rafael Rebolo, Carlos Allende Prieto, Jonay I. González Hernández e Alejandro Suárez Mascareño.