Pode parecer que o Sol está parado enquanto os planetas se movem à sua volta, mas na verdade o Sol está a orbitar em torno do centro da nossa Galáxia, a Via Láctea, a uma impressionante velocidade de cerca de 220 quilómetros por segundo.
Por muito rápido que isso possa parecer, quando se descobriu uma ténue estrela vermelha que se movia ainda mais depressa no céu, a uma velocidade de cerca de 600 quilómetros por segundo, os cientistas ficaram atentos.
Esta rara velocista estelar é a primeira estrela hiperveloz de massa muito baixa já encontrada, graças aos esforços de cientistas cidadãos e de uma equipa de astrónomos dos EUA utilizando vários telescópios, incluindo dois no arquipélago do Hawaii - o Observatório W. M. Keck em Maunakea, na ilha propriamente dita do Hawaii, e o Pan-STARRS do Instituto de Astronomia da Universidade do Hawaii, em Haleakalā, na ilha de Maui. Localizada a apenas 400 anos-luz da Terra, é a estrela hiperveloz mais próxima do Sol.
Mais notavelmente, esta estrela pode estar numa trajetória invulgar que poderá levá-la a deixar a Via Láctea.
A investigação, liderada pelo professor de astronomia e astrofísica da Universidade da Califórnia em San Diego, Adam Burgasser, foi recentemente aceite para publicação na revista The Astrophysical Journal Letters e está disponível em formato de pré-impressão no site arXiv.org.
A estrela, designada por CWISE J124909+362116.0 (ou "J1249+36" para abreviar), foi detetada pela primeira vez por alguns dos mais de 80.000 cidadãos voluntários que participam no projeto Backyard Worlds: Planet 9, que passam a pente fino enormes quantidades de dados recolhidos nos últimos 14 anos pela missão WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer) da NASA. Este projeto capitaliza a capacidade aguçada dos seres humanos, que estão evolutivamente programados para procurar padrões e detetar anomalias de uma forma que não é igualada pela tecnologia informática. Os voluntários marcam objetos em movimento em ficheiros de dados e quando um número suficiente de voluntários marca o mesmo objeto, os astrónomos investigam.
J1249+36 destacou-se imediatamente porque se movia a cerca de 0,1% da velocidade da luz.
"Foi aqui que a fonte se tornou muito interessante, pois a sua velocidade e trajetória mostraram que estava a mover-se suficientemente depressa para potencialmente escapar à Via Láctea", diz Burgasser.
Para melhor compreender a natureza deste objeto, Burgasser recorreu ao NIRES (Near-Infrared Echellette Spectrograph) do Observatório Keck e mediu o seu espetro infravermelho. Os dados revelaram que o objeto era uma subanã L - uma classe de estrelas com massas muito baixas e temperaturas mais baixas do que o nosso Sol. As subanãs representam as estrelas mais antigas da Via Láctea.
A equipa comparou os dados do Observatório Keck da composição de J1249+36 com um novo conjunto de modelos atmosféricos criados por Roman Gerasimov, ex-aluno da UC San Diego, que trabalhou com Efrain Alvarado III, do LEADS da UC (Universidade da Califórnia), para criar modelos especificamente adaptados ao estudo das subanãs L.
"Foi emocionante ver que os nossos modelos conseguiram corresponder com precisão ao espetro obtido com o NIRES do Keck", diz Alvarado.
Os dados espetrais, juntamente com os dados de imagem do Pan-STARRS e de vários outros telescópios terrestres, permitiram à equipa medir com precisão a posição e a velocidade de J1249+36 no espaço e assim prever a sua órbita através da Via Láctea.
O que é que deu um pontapé nesta estrela?
Os investigadores focaram-se em dois cenários possíveis para explicar a trajetória invulgar de J1249+36.
No primeiro cenário, J1249+36 era originalmente a companheira de baixa massa de uma anã branca. As anãs brancas são os núcleos remanescentes de estrelas que esgotaram o seu combustível nuclear e se extinguiram. Quando uma companheira estelar está numa órbita muito próxima de uma anã branca, pode transferir massa, resultando em explosões periódicas chamadas novas. Se a anã branca acumular demasiada massa, pode entrar em colapso e explodir como uma supernova.
"Neste tipo de supernova, a anã branca é completamente destruída, pelo que a sua companheira é libertada e voa à velocidade orbital a que se movia originalmente, acrescida de um pequeno impulso da explosão da supernova", diz Burgasser. "Os nossos cálculos mostram que este cenário funciona. No entanto, a anã branca já não está lá e os restos da explosão, que provavelmente ocorreu há vários milhões de anos, já se dissiparam, pelo que não temos provas definitivas de que é esta a sua origem."
No segundo cenário, J1249+36 era originalmente um membro de um enxame globular, um enxame de estrelas fortemente ligado, imediatamente reconhecível pela sua distinta forma esférica. Prevê-se que os centros destes enxames contenham buracos negros com uma grande variedade de massas. Estes buracos negros também podem formar binários, e tais sistemas acabam por ser grandes catapultas para quaisquer estrelas que se aproximem demasiado deles.
"Quando uma estrela encontra um buraco negro binário, a dinâmica complexa desta interação de três corpos pode atirar essa estrela para fora do enxame globular", diz Kyle Kremer, novo professor assistente do Departamento de Astronomia e Astrofísica da Universidade da Califórnia em San Diego.
Kremer fez uma série de simulações e descobriu que, em raras ocasiões, este tipo de interações pode expulsar uma subanã de baixa massa de um enxame globular, numa trajetória semelhante à observada para J1249+36.
"Demonstra uma prova de conceito", diz Kremer, "mas não sabemos realmente de que enxame globular vem esta estrela". Seguir J1249+36 para trás no tempo coloca-a numa parte muito povoada do céu, que pode esconder enxames ainda por descobrir.
Para determinar se um destes cenários, ou algum outro mecanismo, pode explicar a trajetória de J1249+36, Burgasser disse que a equipa espera olhar mais de perto para a sua composição elementar. Por exemplo, quando uma anã branca explode, cria elementos pesados que podem ter "poluído" a atmosfera de J1249+36 quando esta estava a escapar. As estrelas dos enxames globulares e das galáxias satélite da Via Láctea também têm padrões distintos de abundância de elementos que podem revelar a origem de J1249+36.
"Estamos essencialmente à procura de uma impressão digital química que permita identificar de que sistema vem esta estrela", disse Gerasimov, cujo trabalho de modelação lhe permitiu medir as abundâncias de elementos de estrelas frias em vários enxames globulares.
Quer a rápida viagem de J1249+36 se tenha devido a uma supernova, a um encontro casual com um buraco negro binário ou a qualquer outro cenário, a sua descoberta fornece uma nova oportunidade para os astrónomos aprenderem mais sobre a história e a dinâmica da Via Láctea.
// Observatório W. M. Keck (comunicado de imprensa)
// NASA (comunicado de imprensa)
// Universidade da Califórnia em San Diego (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (arXiv.org)
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Projeto Backyard Worlds: Planet 9:
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