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A atmosfera desaparecida de Marte pode estar escondida à vista de todos
1 de outubro de 2024
 

"Nesta altura da história de Marte, pensamos que o CO2 está em todo o lado, em todos os cantos e recantos, e que a água que escorre pelas rochas também está cheia de CO2", diz Joshua Murray.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASU/MSSS
 
     
 
 
 

Marte nem sempre foi o deserto frio que vemos hoje. Há cada vez mais evidências de que a água já correu à superfície do Planeta Vermelho, há milhares de milhões de anos. E se havia água, também deve ter havido uma atmosfera espessa para evitar que a água congelasse. Mas, há cerca de 3,5 mil milhões de anos, a água secou e o ar, outrora carregado de dióxido de carbono, diminuiu drasticamente, deixando apenas a ténue atmosfera que hoje se agarra ao planeta.

Para onde foi exatamente a atmosfera de Marte? Esta questão tem sido um dos principais mistérios da história de Marte com 4,6 mil milhões de anos.

Para dois geólogos do MIT (Massachusetts Institute of Technology), a resposta pode estar na argila do planeta. Num artigo científico publicado na revista Science Advances, propõem que grande parte da atmosfera desaparecida de Marte pode estar presa na crosta coberta de argila do planeta.

A equipa defende que, enquanto a água esteve presente em Marte, o líquido pode ter escorrido através de certos tipos de rocha e desencadeado lentas reações em cadeia que progressivamente retiraram o dióxido de carbono da atmosfera e o converteram em metano - uma forma de carbono que pode ser armazenada durante éones na superfície argilosa do planeta.

Processos semelhantes ocorrem em algumas regiões da Terra. Os investigadores utilizaram os seus conhecimentos sobre as interações entre rochas e gases na Terra e aplicaram-nos à forma como processos semelhantes se poderiam desenrolar em Marte. Descobriram que, dada a quantidade de argila que se estima cobrir a superfície de Marte, a argila do planeta poderia conter até 1,7 bares de dióxido de carbono, o que seria equivalente a cerca de 80% da atmosfera inicial do planeta.

É possível que este carbono marciano sequestrado possa um dia ser recuperado e convertido em propulsor para alimentar futuras missões entre Marte e a Terra, propõem os investigadores.

"Com base nas nossas descobertas na Terra, mostramos que em Marte operaram processos semelhantes e que grandes quantidades de CO2 atmosférico podem ter sido transformadas em metano e sequestradas em argilas", afirma o autor do estudo, Oliver Jagoutz, professor de geologia no Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias do MIT. "Este metano pode ainda estar presente e talvez até ser utilizado como fonte de energia em Marte no futuro".

Nas dobras

O grupo de Jagoutz no MIT procura identificar os processos geológicos e as interações que impulsionam a evolução da litosfera da Terra - a camada exterior dura e quebradiça que inclui a crosta e o manto superior, onde se encontram as placas tectónicas.

Em 2023, ele e Murray concentraram-se num tipo de mineral argiloso de superfície chamado esmectite, que é conhecido por ser uma armadilha altamente eficaz para o carbono. Dentro de um único grão de esmectite há uma multiplicidade de dobras, nas quais o carbono pode permanecer inalterado durante milhares de milhões de anos. Os investigadores mostraram que a esmectite na Terra foi provavelmente um produto da atividade tectónica e que, uma vez exposta à superfície, os minerais de argila atuaram para extrair e armazenar suficiente dióxido de carbono da atmosfera para arrefecer o planeta durante milhões de anos.

Pouco depois da equipa ter comunicado os seus resultados, Jagoutz olhou por acaso para um mapa da superfície de Marte e apercebeu-se de que grande parte da superfície desse planeta estava coberta pelas mesmas argilas de esmectite. Poderiam as argilas ter tido um efeito semelhante de retenção de carbono em Marte e, em caso afirmativo, qual a quantidade de carbono que as argilas poderiam conter?

"Sabemos que este processo acontece e está bem documentado na Terra. E estas rochas e argilas existem em Marte", diz Jagoutz. "Por isso, quisemos tentar ligar os pontos".

"Todos os cantos e recantos"

Ao contrário do que acontece na Terra, onde a esmectite é uma consequência do movimento e elevação das placas continentais para trazer rochas do manto para a superfície, em Marte não existe tal atividade tectónica. A equipa procurou formas de as argilas se poderem ter formado em Marte, com base no que os cientistas sabem sobre a história e a composição do planeta.

Por exemplo, algumas medições remotas da superfície de Marte sugerem que pelo menos parte da crosta do planeta contém rochas ígneas ultramáficas, semelhantes às que produzem esmectite através da meteorização na Terra. Outras observações revelam padrões geológicos semelhantes aos de rios e afluentes terrestres, onde a água poderia ter fluído e reagido com a rocha subjacente.

Jagoutz e Murray perguntaram-se se a água podia ter reagido com as rochas ultramáficas profundas de Marte de uma forma que produzisse as argilas que cobrem a superfície atualmente. Desenvolveram um modelo simples de química das rochas, baseado no que se sabe sobre a forma como as rochas ígneas interagem com o seu ambiente na Terra.

Aplicaram este modelo a Marte, onde os cientistas pensam que a crosta é maioritariamente constituída por rochas ígneas ricas no mineral olivina. A equipa utilizou o modelo para estimar as alterações que as rochas ricas em olivina poderiam sofrer, assumindo que existia água à superfície durante pelo menos mil milhões de anos e que a atmosfera era rica em dióxido de carbono.

"Nesta altura da história de Marte, pensamos que o CO2 está em todo o lado, em todos os cantos e recantos, e que a água que escorre pelas rochas também está cheia de CO2", diz Murray.

Ao longo de cerca de mil milhões de anos, a água que escorre pela crosta teria reagido lentamente com a olivina - um mineral rico numa forma reduzida de ferro. As moléculas de oxigénio da água ligaram-se ao ferro, libertando hidrogénio e formando o ferro oxidado vermelho que dá ao planeta a sua cor icónica. Este hidrogénio livre ter-se-ia então combinado com o dióxido de carbono presente na água, formando metano. À medida que esta reação progredia ao longo do tempo, a olivina ter-se-ia transformado lentamente noutro tipo de rocha rica em ferro, conhecida como serpentinite, que depois continuou a reagir com a água para formar esmectite.

"Estas argilas de esmectite têm uma grande capacidade de armazenar carbono", diz Murray. "Utilizámos o conhecimento existente sobre a forma como estes minerais são armazenados em argilas na Terra e extrapolámos para dizer: se a superfície marciana tem esta quantidade de argila, quanto metano pode ser armazenado nessas argilas?"

 

Este esquema ilustra a alteração progressiva de rochas ricas em ferro em Marte, à medida que as rochas interagem com água contendo CO2 da atmosfera. Ao longo de vários milhares de milhões de anos, este processo pode ter armazenado CO2 suficiente na superfície argilosa, sob a forma de metano, para explicar a maior parte do CO2 que desapareceu da atmosfera inicial do planeta.
Crédito: cortesia dos investigadores

 

Ele e Jagoutz descobriram que se Marte estiver coberto por uma camada de esmectite com 1100 metros de profundidade, esta quantidade de argila pode armazenar uma enorme quantidade de metano, equivalente à maior parte do dióxido de carbono na atmosfera que se pensa ter desaparecido desde que o planeta secou.

"Descobrimos que as estimativas dos volumes globais de argila em Marte são consistentes com o facto de uma fração significativa do CO2 inicial de Marte ter sido sequestrado como compostos orgânicos na crosta rica em argila", diz Murray. "De certa forma, a atmosfera desaparecida de Marte pode estar escondida à vista de todos".

"Para onde foi o CO2 de uma atmosfera inicial, mais espessa, é uma questão fundamental na história da atmosfera de Marte, do seu clima e da habitabilidade por micróbios", diz Bruce Jakosky, professor emérito de geologia na Universidade do Colorado e investigador principal da missão MAVEN (Mars Atmosphere and Volatile Evolution), que orbita e estuda a atmosfera superior de Marte desde 2014. Jakosky não esteve envolvido no estudo atual. "Murray e Jagoutz examinam a interação química das rochas com a atmosfera como forma de remover o CO2. No limite superior das nossas estimativas da quantidade de meteorização ocorrida, este pode ser um processo importante na remoção de CO2 da atmosfera inicial de Marte".

// MIT (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (science Advances)

 


Quer saber mais?

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EurekAlert!
SPACE.com
Universe Today
PHYSORG

Marte:
NASA
CCVAlg - Astronomia
Wikipedia
The Nine Planets
Atmosfera de Marte (Wikipedia)

Esmectite:
Wikipedia

Rocha ultramáfica:
Wikipedia

Serpentinite:
Wikipedia

MAVEN (Mars Atmosphere and Volatile Evolution):
NASA
Wikipedia

 
   
 
 
 
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