Observar o Universo quando este tinha metade da sua idade atual e esperar ver estrelas individuais é considerado uma tarefa impossível em astronomia, um pouco como apontar um par de binóculos para a Lua na esperança de distinguir grãos de poeira individuais dentro das suas crateras. No entanto, graças a uma peculiaridade cósmica da natureza, uma equipa internacional de astrónomos conseguiu fazer isso mesmo.
Utilizando o Telescópio Espacial James Webb, o investigador de pós-doutoramento Fengwu Sun do Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian e a sua equipa observaram uma galáxia a cerca de 6,5 mil milhões de anos-luz da Terra. Nesta galáxia distante, a equipa identificou 44 estrelas individuais, tornadas visíveis graças a um efeito conhecido como lente gravitacional e ao elevado poder de recolha de luz do Webb.
Publicada na revista Nature Astronomy, a descoberta assinala este recorde - o maior número de estrelas individuais detetadas no Universo distante. Também proporciona uma forma de investigar um dos maiores mistérios do Universo - a matéria escura.
"Esta descoberta inovadora demonstra, pela primeira vez, que é possível estudar um grande número de estrelas individuais numa galáxia distante", afirmou Sun, coautor do estudo. "Ao passo que estudos anteriores com o Telescópio Espacial Hubble encontraram cerca de sete estrelas, agora temos a capacidade de resolver estrelas que anteriormente estavam para lá do nosso alcance. É importante notar que a observação de mais estrelas individuais também nos ajudará a compreender melhor a matéria escura no plano de observação destas galáxias e estrelas, o que não podíamos fazer apenas com o punhado de estrelas individuais observadas anteriormente".
Sun encontrou este tesouro de estrelas enquanto inspecionava as imagens do JWST de uma galáxia conhecida como Arco do Dragão, localizada ao longo da linha de visão da Terra por trás de um enorme enxame de galáxias chamado Abell 370. Devido ao seu efeito de lente gravitacional, Abell 370 estica a espiral característica do Arco do Dragão numa forma alongada - como uma sala de espelhos de proporções cósmicas.
A equipa de investigação analisou cuidadosamente as cores de cada uma das estrelas no interior do Arco do Dragão e descobriu que muitas são supergigantes vermelhas, semelhantes a Betelgeuse na constelação de Orionte, que se encontra na fase final da sua vida. Isto contrasta com descobertas anteriores, que identificaram predominantemente "supergigantes" azuis semelhantes a Rigel e Deneb, que estão entre as estrelas mais brilhantes do céu noturno. De acordo com os investigadores, esta diferença de tipos estelares também realça o poder único das observações do JWST em comprimentos de onda infravermelhos que podem revelar estrelas a temperaturas mais baixas.
"Quando descobrimos estas estrelas individuais, estávamos na realidade à procura de uma galáxia de fundo que é ampliada pelas galáxias deste enxame massivo", disse Sun. "Mas quando processámos os dados, percebemos que havia o que pareciam ser muitos pontos de estrelas individuais. Foi uma descoberta excitante porque foi a primeira vez que conseguimos ver tantas estrelas individuais tão longe".
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O halo massivo, mas invisível, de matéria escura de um enxame de galáxias funciona como uma "macrolente", enquanto as estrelas solitárias e não ligadas que vagueiam pelo enxame funcionam como "microlentes" adicionais, multiplicando o fator de ampliação.
Crédito: Yoshinobu Fudamoto |
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Sun, em particular, está entusiasmado com a próxima oportunidade de estudar estas supergigantes vermelhas. "Sabemos mais sobre as supergigantes vermelhas na nossa vizinhança galáctica local porque estão mais perto e podemos obter melhores imagens e espetros, e por vezes até resolver as estrelas. Podemos usar o conhecimento que adquirimos com o estudo das supergigantes vermelhas no Universo local para interpretar o que lhes acontece a seguir numa época tão precoce da formação galáctica em estudos futuros".
A maioria das galáxias, incluindo a Via Láctea, contém dezenas de milhares de milhões de estrelas. Nas galáxias próximas, como a galáxia de Andrómeda, os astrónomos podem observar as estrelas uma a uma. No entanto, em galáxias a milhares de milhões de anos-luz de distância, as estrelas aparecem misturadas, uma vez que a sua luz tem de viajar milhares de milhões de anos-luz antes de chegar até nós, o que representa um desafio de longa data para os cientistas que estudam a formação e a evolução das galáxias.
"Para nós, as galáxias que estão muito distantes parecem normalmente uma mancha difusa e desfocada", disse o autor principal do estudo, Yoshinobu Fudamoto, professor assistente na Universidade de Chiba, no Japão. "Mas, na verdade, essas manchas são constituídas por muitas, muitas estrelas individuais. Só que não conseguimos resolvê-las com os nossos telescópios".
Os recentes avanços na astronomia abriram novas possibilidades, tirando partido das lentes gravitacionais - um efeito de ampliação natural causado pelos fortes campos gravitacionais de objetos massivos. Tal como previsto por Albert Einstein, as lentes gravitacionais podem ampliar a luz de estrelas distantes por um fator de centenas ou mesmo milhares de vezes, tornando-as detetáveis com instrumentos sensíveis como o JWST.
"Estas descobertas têm sido tipicamente limitadas a apenas uma ou duas estrelas por galáxia", disse Fudamoto. "Para estudar as populações estelares de uma forma estatisticamente significativa, precisamos de muitas mais observações de estrelas individuais".
Espera-se que as futuras observações do Telescópio James Webb captem mais estrelas ampliadas na galáxia do Arco do Dragão. Estes esforços poderão levar a estudos pormenorizados de centenas de estrelas em galáxias distantes. Para além disso, as observações de estrelas individuais poderão fornecer informações sobre a estrutura das lentes gravitacionais e até lançar luz sobre a natureza elusiva da matéria escura.
// Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian (comunicado de imprensa)
// Universidade de Chiba (comunicado de imprensa)
// Universidade de Durham (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)
// Artigo científico (arXiv)
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Abell 370:
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