Estrelas "temperamentais" que aumentam e diminuem de brilho numa questão de horas ou dias podem estar a distorcer a nossa visão de milhares de planetas distantes, sugere um novo estudo liderado por investigadoras da UCL (University College London).
A maior parte da informação de que dispomos sobre planetas para lá do nosso Sistema Solar (exoplanetas) provém da observação de quedas na luz estelar quando estes planetas passam em frente da sua estrela hospedeira.
Esta técnica pode dar pistas sobre o tamanho do planeta (observando a quantidade de luz estelar que é bloqueada) e sobre a composição da sua atmosfera (observando a forma como o planeta altera o padrão da luz estelar que o atravessa).
Mas um novo estudo, publicado na revista The Astrophysical Journal Supplement Series, concluiu que as flutuações na luz das estrelas devido a regiões mais quentes e mais frias na superfície de uma estrela podem estar a distorcer as nossas interpretações dos planetas mais do que pensávamos anteriormente.
Os investigadores analisaram as atmosferas de 20 planetas do tamanho de Júpiter e Neptuno e descobriram que a variabilidade das estrelas hospedeiras distorcia os dados de cerca de metade deles.
Se os investigadores não tivessem devidamente em conta estas variações, disse a equipa, poderiam interpretar mal uma série de características como o tamanho dos planetas, a temperatura e a composição das suas atmosferas. A equipa acrescentou que o risco de má interpretação era controlável se os investigadores olhassem para uma gama de comprimentos de onda da luz, incluindo no visível, onde os efeitos da contaminação estelar são mais evidentes.
A autora principal, Arianna Saba, que realizou o trabalho como parte do seu doutoramento na UCL, afirmou: "Estes resultados foram uma surpresa - encontrámos mais contaminação estelar nos nossos dados do que estávamos à espera. É importante sabermos isto. Ao aperfeiçoar a nossa compreensão da forma como a variabilidade das estrelas pode afetar as nossas interpretações dos exoplanetas, podemos melhorar os nossos modelos e utilizar de forma mais inteligente os conjuntos de dados muito maiores que virão de missões como o James Webb, Ariel e Twinkle".
A segunda autora, Alexandra (Alex) Thompson, atualmente estudante de doutoramento na UCL, cuja investigação se centra em estrelas hospedeiras de exoplanetas, afirmou: "Aprendemos sobre exoplanetas a partir da luz das suas estrelas hospedeiras e, por vezes, é difícil distinguir o que é um sinal da estrela e o que vem do planeta.
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Representação artística do sistema HAT-P-11, do qual foram usadas múltiplas observações neste estudo. O sistema HAT-P-11 consiste numa estrela hospedeira fria que é muito mais "manchada" do que o nosso Sol, orbitada pelo "super-Neptuno" HAT-P-11b desalinhado e em trânsito e por um planeta da massa de Júpiter, HAT-P-11c, que não transita em frente da estrela.
Crédito: Alexandra Thompson |
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"Algumas estrelas podem ser descritas como 'irregulares' - têm uma maior proporção de regiões mais frias, que são mais escuras, e de regiões mais quentes, que são mais brilhantes, na sua superfície. Isto deve-se a uma atividade magnética mais forte.
"As regiões mais quentes e brilhantes (fáculas solares) emitem mais luz e, por isso, por exemplo, se um planeta passar em frente da parte mais quente da estrela, isso pode levar os investigadores a sobrestimar a dimensão do planeta, uma vez que parece bloquear mais a luz da estrela, ou podem inferir que o planeta é mais quente do que é ou que tem uma atmosfera mais densa. O inverso é verdadeiro se o planeta passar em frente de uma mancha estelar mais fria, fazendo com que o planeta pareça 'mais pequeno'.
"Por outro lado, a redução da luz emitida por uma mancha estelar pode até imitar o efeito de um planeta a passar em frente a uma estrela, levando-nos a pensar que pode haver um planeta quando não há nenhum. É por isso que as observações de acompanhamento são tão importantes para confirmar as deteções de exoplanetas.
"Estas variações da estrela podem também distorcer as estimativas da quantidade de vapor de água, por exemplo, existente na atmosfera de um planeta. Isto porque as variações podem imitar ou obscurecer a assinatura do vapor de água no padrão de luz em diferentes comprimentos de onda que chega aos nossos telescópios".
Para o estudo, os investigadores utilizaram 20 anos de observações do Telescópio Espacial Hubble, combinando dados de dois dos instrumentos do telescópio, o STIS (Space Telescope Imaging Spectrograph) e o WFC3 (Wide Field Camera 3).
Processaram e analisaram os dados de cada planeta de forma idêntica, para garantir que estavam a comparar o mesmo com o mesmo, minimizando os enviesamentos que ocorrem quando os conjuntos de dados são processados com métodos diferentes.
A equipa analisou então qual a combinação de modelos atmosféricos e estelares que melhor se adaptava aos seus dados, comparando modelos que tinham em conta a variabilidade estelar com modelos mais simples que não a tinham. Descobriram que os dados de seis dos 20 planetas analisados se adaptavam melhor com modelos ajustados à variabilidade das estrelas e que seis outros planetas podem ter sofrido uma pequena contaminação da sua estrela hospedeira.
Analisaram a luz nos comprimentos de onda do visível, no infravermelho próximo e no ultravioleta próximo, utilizando o facto das distorções da atividade estelar serem muito mais evidentes na região do UV próximo e do visível do que em comprimentos de onda mais longos no infravermelho.
A equipa descreveu duas formas de avaliar se a variabilidade estelar pode estar a afetar os dados planetários.
A Dra. Saba explicou: "Uma é olhar para a estrutura geral do espetro - isto é, o padrão de luz em diferentes comprimentos de onda que atravessou o planeta a partir da estrela - para ver se isto pode ser explicado apenas pelo planeta ou se é necessária atividade estelar. A outra é ter duas observações do mesmo planeta na região ótica do espetro, tiradas em alturas diferentes. Se estas observações forem muito diferentes, a explicação provável é a atividade estelar variável".
Alex Thompson acrescentou: "O risco de má interpretação é controlável com a cobertura correta de comprimento de onda. As observações óticas de comprimentos de onda mais curtos, como as utilizadas neste estudo, são particularmente úteis, pois é aqui que os efeitos da contaminação estelar são mais evidentes".
// UCL (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Astrophysical Journal Supplement Series)
Quer saber mais?
Exoplanetas:
Wikipedia
Lista de planetas (Wikipedia)
Lista de exoplanetas potencialmente habitáveis (Wikipedia)
Lista de exoplanetas mais próximos (Wikipedia)
Lista de extremos (Wikipedia)
Lista de exoplanetas candidatos a albergar água líquida (Wikipedia)
Open Exoplanet Catalogue
NASA
Exoplanet.eu
Fácula solar:
Wikipedia
Mancha estelar:
Wikipedia
Telescópio Espacial Hubble:
Hubble, NASA
ESA
Hubblesite
STScI
Base de dados do Arquivo Mikulski para Telescópios Espaciais
Arquivo de Ciências do eHST
Wikipedia |