Os meteoroides que colidem com Marte produzem sinais sísmicos que podem alcançar uma profundidade maior do que se pensava anteriormente. Esta é a conclusão de um par de novos artigos científicos que comparam dados de sismos marcianos recolhidos pelo módulo InSight da NASA com crateras de impacto detetadas pela MRO (Mars Reconnaissance Orbiter) da mesma agência espacial.
Os artigos científicos, publicados na passada segunda-feira, dia 3 de fevereiro, na revista Geophysical Research Letters, destacam como os cientistas continuam a aprender com o InSight, que a NASA aposentou em 2022 após uma missão prolongada bem-sucedida. O InSight instalou o primeiro sismómetro em Marte, detetando mais de 1300 sismos, que são produzidos por tremores no interior do planeta (causados por rochas que quebram sob calor e pressão) e por rochas espaciais que atingem a superfície.
Ao observar a forma como as ondas sísmicas desses sismos se alteram à medida que viajam através da crosta, do manto e do núcleo do planeta, os cientistas obtêm um vislumbre do interior de Marte, bem como uma melhor compreensão da forma como todos os mundos rochosos se formam, incluindo a Terra e a sua Lua.
No passado, os investigadores já tinham captado imagens de novas crateras de impacto e encontrado dados sísmicos que coincidiam com a data e o local de formação das crateras. Mas os dois novos estudos representam a primeira vez que um novo impacto foi correlacionado com sismos detetados em Cerberus Fossae, uma região de Marte especialmente propensa a sismos e que fica a 1640 quilómetros do InSight.
A cratera de impacto tem 21,5 metros de diâmetro e está muito mais longe do InSight do que os cientistas esperavam, com base na energia sísmica do evento. A crosta marciana tem propriedades únicas que se pensa amortecerem as ondas sísmicas produzidas por impactos, e a análise dos investigadores do impacto em Cerberus Fossae levou-os a concluir que as ondas que produziu seguiram um caminho mais direto através do manto do planeta.
A equipa do InSight terá agora de reavaliar os seus modelos da composição e estrutura do interior de Marte para explicar como é que os sinais sísmicos gerados por impactos podem chegar tão profundamente.
"Costumávamos pensar que a energia detetada na grande maioria dos eventos sísmicos estava presa na crosta marciana", disse Constantinos Charalambous, membro da equipa InSight do Imperial College de Londres. "Esta descoberta mostra um caminho mais profundo e mais rápido - chamemos-lhe uma autoestrada sísmica - através do manto, permitindo que os sismos cheguem a regiões mais distantes do planeta".
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Uma câmara no braço robótico do módulo InSight da NASA captou a instalação de um escudo térmico e de vento a 2 de fevereiro de 2019. O escudo cobriu o sismómetro do InSight, que captou dados de mais de 1300 sismos marcianos durante os quatro anos da missão.
Crédito: NASA/JPL-Caltech |
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Detetando crateras em Marte com a MRO
Um algoritmo de aprendizagem de máquina desenvolvido no JPL da NASA, no sul da Califórnia, para detetar impactos de meteoroides em Marte, desempenhou um papel fundamental na descoberta da nova cratera em Cerberus Fossae. Numa questão de horas, a ferramenta de inteligência artificial consegue analisar dezenas de milhares de imagens a preto e branco captadas pela CTX (Context Camera) da MRO, detetando as zonas de explosão em redor das crateras. A ferramenta seleciona imagens candidatas para serem examinadas por cientistas experientes em dizer quais as colorações subtis em Marte que merecem imagens mais detalhadas por parte da câmara HiRISE (High-Resolution Imaging Science Experiment) da MRO.
"Se fosse feito manualmente, seriam anos de trabalho", disse Valentin Bickel, membro da equipa InSight da Universidade de Berna, na Suíça. "Usando esta ferramenta, passámos de dezenas de milhares de imagens para apenas uma mão cheia numa questão de dias. Não é tão bom como um humano, mas é super-rápido".
Bickel e os seus colegas procuraram crateras num raio de cerca de 3000 quilómetros da localização do InSight, na esperança de encontrar algumas que se tivessem formado enquanto o sismómetro da sonda estava a registar dados. Comparando imagens antes e depois da CTX ao longo de um certo período de tempo, encontraram 123 crateras novas para cruzar com os dados do InSight; 49 dessas crateras eram potenciais correspondências com sismos detetados pelo sismómetro do módulo de aterragem. Charalambous e outros sismólogos filtraram ainda mais esse conjunto para identificar a cratera de impacto de Cerberus Fossae, com quase 22 metros.
Decifrar mais, mais depressa
Quanto mais os cientistas estudam os dados do InSight, melhor conseguem distinguir os sinais originários do interior do planeta dos causados por impactos de meteoroides. O impacto encontrado em Cerberus Fossae vai ajudá-los a aperfeiçoar ainda mais a forma como distinguem estes sinais.
"Pensávamos que Cerberus Fossae produzisse muitos sinais sísmicos de alta frequência associados a sismos gerados internamente, mas isto sugere que alguma da atividade não tem origem aí e pode ser causada por impactos", disse Charalambous.
As descobertas também destacam a forma como os investigadores estão a aproveitar a IA para melhorar a ciência planetária, fazendo melhor uso de todos os dados recolhidos pelas missões da NASA e da ESA. Para além de estudar as crateras marcianas, Bickel utilizou a IA para procurar deslizamentos de terras, diabos de poeira e características escuras sazonais que aparecem em encostas íngremes. As ferramentas de IA também têm sido utilizadas para encontrar crateras e deslizamentos de terras na nossa Lua.
"Agora temos tantas imagens da Lua e de Marte que a luta é para processar e analisar os dados", disse Bickel. "Chegámos finalmente à era dos grandes dados da ciência planetária".
// NASA (comunicado de imprensa)
// Universidade de Berna (comunicado de imprensa)
// Imperial College de Londres (comunicado de imprensa)
// Artigo científico #1 ( Geophysical Research Letters)
// Artigo científico #2 ( Geophysical Research Letters)
Quer saber mais?
Marte:
NASA
CCVAlg - Astronomia
Wikipedia
The Nine Planets
Cerberus Fossae (Wikipedia)
InSight:
NASA
X/Twitter
Wikipedia
MRO (Mars Reconnaissance Orbiter):
NASA
Wikipedia |