OBSERVANDO O ZÉNITE NO VERÃO
À medida que o céu escurece nas noites limpas da próxima semana, um padrão reconhecido pelo Homem desde a antiguidade surge quase sobre as nossas cabeças: trata-se da constelação de Hércules, que deu origem à lenda mitológica do semi-deus heróico filho da mortal Alcmena e de Zeus (Júpiter na mitologia romana).
As estrelas que compõem a constelação são, na sua maioria,muito ténues e parece algo caricato que uma personagem mitológica tão forte possa ser representado no céu por estrelas tão fracas. Nas culturas pré-gregas era suposto representar um homem ajoelhado e era conhecida como "O que está ajoelhado".
Concepção mitológica da constelação de Hércules.
Criado usando o Starry Night Pro.
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Uma inspecção de alguns livros que são guias das constelações sugere que se procure um H distorcido, mas podem imaginar-se uma série de figuras a partir das estrelas que se observam à vista desarmada.
No centro da constelação está um asterismo que é conhecido como Pedra-Chave (ou Fecho de Abóboda) que é um quasi-trapézio constituído pelas estrelas Eta, Pi, Epsilon, e Zeta Hércules. É asterismo, que é um grupo de estrelas de uma ou mais constelações que formam uma figura distintamente discernível à vista desarmada. Os maiores asterismos como a Caçarola (ou Grande Carro ou Carro de David) na Ursa Maior, o Grande Quadrado em Pégaso ou o Triângulo de Verão (que tem estrelas das constelações do Cisne (Deneb), de Lira (Vega) e da Águia (Altair) são normalmente mais conhecidos que a forma das constelações que contêm as estrelas que lhes dão origem.
A constelação de Hércules. A verde, no lado Oeste,
(direita da figura) está assinalada a posição de M13.
Criado usando o Starry Night Pro
Alguns poderão não estar familiarizados com o termo pedra-chave. Muitos arcos são construídos com uma grande pedra central que fecha o arco e que de certo modo suporta todo o peso que é apoiado sobre o arco (ou abóboda). A pedra-chave foi uma das mais importantes descobertas da arquitectura, tendo sido o seu desenho o segredo de muitos dos grandes arquitectos medievais.
A este respeito, e revelando a importância da pedra-chave na arquitectura medieval, reza a História de Portugal a seguinte lenda sobre a construção do Mosteiro da Batalha:
Em deteminado momento o arquitecto original da obra Mestre Afonso Domingues cegou e foi substituído por Huguet (por vezes escrito Ouguet). Passado algum tempo estava Huguet a vangloriar-se da sua obra, quando reparou que havia fendas a abrirem-se na abóbada que ameaçava caír. Irrompeu pela igreja como um possesso, dizendo, entre muitas frases incongruentes, que o Mestre Afonso Domingues lhe tinha enfeitiçado o trabalho.
Pensando que o irlandês estava possuído pelo demónio, os frades acorreram a exorcizá-lo perante o espanto do Rei. Huguet caiu desmaiado ao mesmo tempo que um tremendo estrondo anunciava a queda da abóbada, apenas vinte e quatro horas depois de ter sido concluída.
El-Rei D. João I chamou então Afonso Domingues à sua presença e nomeou-o novamente mestre das obras do mosteiro, pondo o irlandês sob as suas ordens. A construção da abóbada foi então retomada, seguindo o primitivo traço.
Chegou assim o grande dia em que foram retiradas as traves que sustentavam a abóbada. Apenas foi deixada no centro da sala uma pedra onde ficou sentado Mestre Afonso Domingues. O velho mestre ficou sentado naquela pedra, sem comer e beber, durante três dias, como mostra da sua convicção de que a abóboda estava segura. Ao fim do terceiro dia, recebeu El-Rei a triste notícia de que o Mestre tinha morrido.As suas últimas palavras foram: "A abóbada não caiu ... a abóbada não cairá!"
A Pedra-Chave de Hércules tem no seu lado Oeste o famoso Enxame de Hércules , o enxame globular M 13, que pode ser visto à vista desarmada numa noite escura de Verão. Trata-se de uma concentração de 100.000 estrelas localizadas apenas à distância de 23.000 anos-luz de nós.
Os enxames globulares são aglomerados que se encontram normalmente numa região da Via Láctea fora do disco e que recebe o nome de Halo.
Se tiver uns binóculos poderá identificar facilmente M13 pois parece nos binóculos uma estrela desfocada. Num pequeno telescópio de 10-15 cm de abertura começam a observar-se detalhes de centenas de pontos, aumentando o número de estrelas observável com a abertura do telescópio. O astrónomo Robert H. Baker (1880-1962) chamou a M13 o "maravilhoso crisântemo de estrelas".
Um objecto fantástico e fácil de descobrir, não deixe de o tentar observar. Um pouco por todo o país pode encontrar astrónomos a fazer "Astronomia no Verão" que não deixarão de o tentar ajudar a observá-lo. Para saber onde observar próximo de si, consulte as informações constantes na página oficial da Astronomia no Verão, da Agência Ciência Viva em http://www.cienciaviva.pt/veraocv/astronomia/astro2007/.
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