O TRAJETO CÓSMICO EM DIREÇÃO À FORMAÇÃO DE ESTRELAS E PLANETAS 10 de julho de 2020
Visualização dos fluxos observados de velocidade na galáxia espiral NGC 4321, medidos usando emissão rádio do gás molecular (monóxido de carbono): ao longo do eixo vertical, esta imagem mostra as velocidades do gás, enquanto o eixo horizontal representa a extensão espacial da galáxia. As oscilações em forma de onda na velocidade do gás são visíveis em toda a galáxia.
Crédito: T. Müller/J. Henshaw/MPIA
O gás molecular nas galáxias é organizado numa hierarquia de estruturas. O material molecular nas gigantescas nuvens de gás molecular viaja por intricadas redes de gás filamentar em direção aos centros congestionados de gás e poeira, onde é comprimido em estrelas e planetas, assim como milhões de pessoas viajam para trabalhar nas cidades em todo o mundo. Para melhor entender este processo, uma equipa de astrónomos liderada por Jonathan Henshaw do Instituto Max Planck para Astronomia mediu o movimento do gás que flui das escalas galácticas até escalas dos aglomerados de gás em que as estrelas se formam. Os seus resultados mostram que o gás que corre através de cada escala está ligado dinamicamente: enquanto a formação estelar e planetária ocorre nas escalas mais pequenas, este processo é controlado por uma cascata de fluxos de matéria que começam a escalas galácticas. Os resultados foram publicados na revista científica Nature Astronomy.
O gás molecular nas galáxias é posto em movimento por mecanismos físicos, como rotação galáctica, explosões de supernova, campos magnéticos, turbulência e gravidade, moldando a estrutura do gás. Compreender como estes movimentos afetam diretamente a formação de estrelas e planetas é difícil, porque exige a quantificação do movimento dos gases numa gama enorme de escalas espaciais e, em seguida, a vinculação deste movimento às estruturas físicas que observamos. As instalações astrofísicas modernas mapeiam agora rotineiramente grandes áreas do céu, com alguns mapas contendo milhões de pixéis, cada com centenas a milhares de medições independentes de velocidade. Como resultado, a medição destes movimentos é cientificamente e tecnologicamente desafiadora.
A fim de enfrentar estes desafios, uma equipa internacional de investigadores liderada por Jonathan Henshaw do Instituto Max Planck para Astronomia em Heidelberg decidiu medir movimentos de gás ao longo de uma variedade de ambientes diferentes usando observações do gás na Via Láctea e numa galáxia próxima. Os astrónomos detetam estes movimentos medindo a aparente mudança na frequência de luz emitida por moléculas, mudança esta provocada pelo movimento relativo entre a fonte de luz e o observador; um fenómeno conhecido como efeito Doppler. Aplicando um novo software desenvolvido por Henshaw e pelo doutorando Manuel Riener (coautor do artigo, também do mesmo instituto), a equipa conseguiu analisar milhões de medições. "Este método permitiu-nos visualizar o meio interestelar de uma nova maneira," diz Henshaw.
Os investigadores descobriram que os movimentos do gás molecular frio parecem flutuar em velocidade, lembrando a aparência de ondas à superfície do oceano. Estas flutuações representam o movimento do gás. "As flutuações propriamente ditas não foram particularmente surpreendentes, sabemos que o gás se move," diz Henshaw. Steve Longmore, coautor do artigo, da Universidade John Moores em Liverpool, acrescenta: O que nos surpreendeu foi a similaridade da estrutura de velocidade destas regiões diferentes. Não importava se estivéssemos a olhar para uma galáxia inteira ou para uma nuvem individual dentro da nossa própria Galáxia, a estrutura é mais ou menos a mesma."
Para melhor entender a natureza dos fluxos de gás, a equipa selecionou várias regiões para uma análise mais detalhada, usando técnicas estatísticas avançadas para procurar diferenças entre as flutuações. Ao combinar uma variedade de medições diferentes, os investigadores foram capazes de determinar como as flutuações da velocidade dependem da escala espacial.
"Uma característica interessante das nossas técnicas de análise é que são sensíveis à periodicidade," explica Henshaw. "Se houver padrões repetidos nos seus dados, como nuvens moleculares gigantes igualmente espaçadas ao longo de um braço espiral, podemos identificar diretamente a escala na qual o padrão se repete." A equipa identificou três faixas de gás filamentar que, apesar de traçarem escalas muito diferentes, pareciam mostrar uma estrutura mais ou menos equidistante ao longo das suas cristas, como contas numa corda, sejam nuvens moleculares gigantes ao longo de um braço espiral ou pequenos "núcleos" formando estrelas ao longo de um filamento.
A equipa descobriu que as flutuações de velocidade associadas com a estrutura espaçada equidistantemente mostravam todas um padrão distinto. "As flutuações parecem ondas a oscilar ao longo das cristas dos filamentos, têm uma amplitude e comprimento de onda bem definidos," diz Henshaw, acrescentando: "O espaçamento periódico das nuvens moleculares gigantes em grandes escalas ou núcleos individuais de formação estelar em pequenas escalas é provavelmente o resultado dos seus filamentos parentais se tornarem gravitacionalmente instáveis. Nós pensamos que estes fluxos oscilatórios são a assinatura do fluxo de gás ao longo dos braços em espiral ou convergindo para os picos de densidade, fornecendo novo combustível para a formação estelar."
Em contraste, a equipa descobriu que as flutuações de velocidade medidas ao longo das nuvens moleculares gigantes, em escalas intermédias entre nuvens inteiras e os minúsculos núcleos no seu interior, não mostram escala característica óbvia. Diederik Kruijssen, coautor do artigo com base na Universidade de Heidelberg, explica: "As estruturas de densidade e velocidade que vemos em nuvens moleculares gigantes não têm escala, porque os fluxos de gás turbulento que criam estas estruturas formam uma cascata caótica, revelando sempre flutuações menores à medida que aumentamos o zoom - como um floco de neve. Este comportamento sem escala ocorre entre dois extremos bem definidos: a grande escala de toda a nuvem e a pequena escala dos núcleos que formam estrelas individuais. Descobrimos agora que estes extremos têm tamanhos característicos bem definidos, mas entre eles o caos governa."
"Imagine as nuvens moleculares gigantes como megacidades igualmente espaçadas e ligadas por rodovias," diz Henshaw. "Do ponto de vista aéreo, a estrutura destas cidades, e dos carros e das pessoas que se movem entre elas, parece caótica e desordenada. No entanto, quando aumentamos o zoom em estradas individuais, vemos pessoas que viajaram de muito longe a entrar nos edifícios dos seus escritórios e de maneira ordenada. Os prédios representam os núcleos densos e frios de gás a partir dos quais nascem estrelas e planetas."