Com as suas sensíveis câmaras infravermelhas e o espetrómetro de alta resolução, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) está a revelar novos segredos dos satélites galileanos de Júpiter, em particular Ganimedes, a maior lua, e Io, a mais vulcanicamente ativa.
Em duas publicações separadas, os astrónomos que fazem parte do programa ERS (Early Release Science) do JWST relatam a primeira deteção de peróxido de hidrogénio em Ganimedes e de gases sulfurosos em Io, ambos resultado da influência dominante de Júpiter.
"Isto mostra que podemos fazer uma ciência incrível com o Telescópio Espacial James Webb em objetos do Sistema Solar, mesmo que o objeto seja realmente muito brilhante, como Júpiter, mas também quando olhamos para coisas muito ténues ao lado de Júpiter", disse Imke de Pater, professora emérita de astronomia e ciências terrestres e planetárias na Universidade da Califórnia, em Berkeley. De Pater e Thierry Fouchet, do Observatório de Paris, são investigadores principais da equipa de observação do ERS do Sistema Solar, uma das 13 equipas a quem foi dado acesso antecipado ao telescópio.
Samantha Trumbo, pós-doutorada da Universidade de Cornell, liderou o estudo de Ganimedes, que foi publicado a 21 de julho na revista Science Advances. Utilizando medições captadas pelo NIRSpec (Near InfraRed Spectrograph) do JWST, a equipa detetou a absorção de luz pelo peróxido de hidrogénio - H2O2 - em torno dos polos norte e sul da lua, resultado de partículas carregadas em torno de Júpiter e de Ganimedes que impactam no gelo que cobre a lua.
"O JWST, ao revelar a presença de peróxido de hidrogénio nos polos de Ganimedes, mostra pela primeira vez que as partículas carregadas canalizadas ao longo do campo magnético de Ganimedes estão a alterar preferencialmente a química da superfície das suas calotes polares", disse Trumbo.
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Fotografias em grande plano de Ganimedes, esta obtida pela sonda Juno, e de Io pela nave espacial Galileo da NASA em 1997, quando orbitava Júpiter.
Crédito: NASA/JPL/USGS |
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Os astrónomos argumentam que o peróxido é produzido por partículas carregadas que atingem a água gelada à volta dos polos e quebram as moléculas de água em fragmentos - um processo chamado radiólise - que depois se recombinam para formar H2O2. Suspeitaram que a radiólise ocorreria principalmente em torno dos polos de Ganimedes porque, ao contrário de todas as outras luas do nosso Sistema Solar, tem um campo magnético que dirige as partículas carregadas para os polos.
"Tal como o campo magnético da Terra dirige as partículas carregadas do Sol para as latitudes mais elevadas, provocando auroras, o campo magnético de Ganimedes faz o mesmo com as partículas carregadas da magnetosfera de Júpiter", acrescentou. "Estas partículas não só provocam auroras em Ganimedes, como também têm impacto na superfície gelada".
Trumbo e Michael Brown, professor de astronomia planetária no Caltech, onde Trumbo recebeu recentemente o seu doutoramento, tinham estudado anteriormente o peróxido de hidrogénio em Europa, outro dos quatro satélites galileanos de Júpiter. Em Europa, no entanto, o peróxido era detetável em grande parte da superfície, talvez, parcialmente, porque não tem um campo magnético para proteger a superfície das partículas que se movem rapidamente à volta de Júpiter.
"Este é provavelmente um processo muito importante e generalizado", disse Trumbo. "Estas observações de Ganimedes fornecem uma janela chave para compreender como a radiólise da água pode conduzir a química em corpos gelados em todo o Sistema Solar exterior, incluindo nas vizinhas Europa e Calisto (a quarta lua galileana)."
"Ajuda a efetivamente compreender como funciona a chamada radiólise e que, de facto, com base em experiências de laboratório na Terra, funciona como esperado", disse de Pater.
O ambiente sulfuroso de Io
Num segundo artigo científico, aceite para publicação na revista Journal of Geophysical Research: Planets, de Pater e os seus colegas relatam novas observações de Io feitas pelo Webb que mostram várias erupções em curso, incluindo um brilho num complexo vulcânico chamado Loki Patera e uma erupção excecionalmente brilhante em Kanehekili Fluctus. Uma vez que Io é a única lua vulcanicamente ativa do Sistema Solar - a interação gravitacional de Júpiter aquece-a - estudos como este dão aos cientistas planetários uma perspetiva diferente da que pode ser obtida através do estudo dos vulcões na Terra.
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Medições do JWST, obtidas em novembro de 2022, sobrepostas num mapa da superfície de Io. As medições infravermelhas (à direita) mostram um aumento de brilho em Kanekehili Fluctus, uma área vulcânica grande e, durante o período de observação, muito ativa em Io. As medições espectrais (esquerda) mostram emissões infravermelhas proibidas do monóxido de enxofre centradas na área vulcânica. A coincidência confirma a teoria de que o SO é produzido em aberturas vulcânicas e, na atmosfera muito fina de Io, permanece o tempo suficiente para emitir a linha proibida que normalmente seria suprimida por colisões com outras moléculas na atmosfera.
Crédito: Chris Moeckel e Imke de Pater, UC Berkeley; mapa de Io - cortesia do USGS |
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Pela primeira vez, os investigadores conseguiram ligar uma erupção vulcânica - em Kanehekili Fluctus - a uma caraterística específica de emissão produzida pelas chamadas transições "proibidas" do gás monóxido de enxofre (SO).
O dióxido de enxofre (SO2) é o principal componente da atmosfera de Io, proveniente da sublimação do SO2 gelado, bem como de erupções vulcânicas em curso, à semelhança da produção de SO2 pelos vulcões na Terra. Os vulcões também produzem SO, que é muito mais difícil de detetar do que o SO2. Em particular, a linha de emissão proibida do SO é muito fraca porque o SO está em concentrações tão baixas e é produzido apenas durante um curto período de tempo após ser excitado. Além disso, as observações só podem ser feitas quando Io está na sombra de Júpiter, quando é mais fácil ver os gases brilhantes de SO. Quando Io está na sombra de Júpiter, o gás SO2 na atmosfera de Io congela na sua superfície, deixando apenas SO e gás SO2 vulcânico recém-emitido na atmosfera.
"Estas observações com o Webb mostram pela primeira vez que este SO excitado veio efetivamente de um vulcão", disse de Pater.
De Pater tinha feito observações anteriores de Io com o Telescópio Keck no Hawaii e encontrou níveis baixos da emissão proibida de SO em grande parte da lua, mas não conseguiu associar os pontos quentes de SO especificamente a um vulcão ativo. Ela suspeita que grande parte deste SO, bem como o SO2 visto durante um eclipse, provém dos chamados vulcões furtivos, que fazem erupções de gás, mas não de poeira, o que os tornaria visíveis.
Há vinte anos, de Pater e a sua equipa propuseram que este estado excitado do SO só podia ser produzido em aberturas vulcânicas quentes e que a ténue atmosfera permitia que este estado se mantivesse por tempo suficiente - alguns segundos - para emitir a linha proibida. Normalmente, os estados excitados que produzem esta emissão são rapidamente amortecidos por colisões com outras moléculas na atmosfera e nunca são vistos. Só em partes da atmosfera onde o gás é escasso é que esses estados excitados duram o tempo suficiente para emitir linhas proibidas. Os verdes e vermelhos das auroras terrestres são produzidos por transições proibidas do oxigénio na ténue atmosfera superior.
"A ligação entre o SO e os vulcões está relacionada com uma hipótese que tínhamos em 2002 para explicar como podíamos ver a emissão de SO", disse. "A única forma de explicar esta emissão era se o SO fosse excitado na chaminé vulcânica a uma temperatura de cerca de 1500 K e saísse neste estado excitado, perdesse o seu fotão em poucos segundos e fosse essa a emissão que vemos. Assim, estas observações são as primeiras que mostram que este é o mecanismo mais provável para vermos o SO".
O Webb voltará a observar Io ainda este mês de agosto com o NIRSpec. Tal como a futura observação será, a anterior, que teve lugar a 15 de novembro de 2022, foi realizada quando Io estava na sombra de Júpiter, de modo a que a luz refletida pelo planeta não se sobrepusesse à luz proveniente de Io.
De Pater notou também que o brilho de Loki Patera era consistente com o período observado de erupções do vulcão, que aumenta de brilho, em média, a cada 500 dias terrestres, com o brilho a durar alguns meses. Ela determinou isto porque não estava brilhante quando observou a lua com o Keck em agosto e setembro de 2022, nem estava brilhante quando outro astrónomo a observou de abril a julho de 2022. Apenas o JWST captou o evento.
"As observações do Webb mostraram que as erupções tinham realmente começado e que era muito mais brilhante do que o que tínhamos visto em setembro", disse.
Enquanto De Pater se concentra principalmente no sistema joviano - os seus anéis, pequenas luas e as luas maiores Ganimedes e Io - ela e outros membros da equipa ERS, cerca de 80 astrónomos, estão também a utilizar o JWST para estudar os sistemas planetários de Saturno, Úrano e Neptuno.
// UC Berkeley (comunicado de imprensa)
// Universidade de Cornell (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Science Advances)
// Artigo científico #2 (Journal of Geophysical Research: Planets)
Quer saber mais?
Ganimedes:
CCVAlg - Astronomia
NASA
Nine Planets
Wikipedia
Io:
CCVAlg - Astronomia
NASA
Nine Planets
Wikipedia
Loki Patera (Wikipedia)
Kanehekili Fluctus (Wikipedia)
Júpiter:
CCVAlg - Astronomia
NASA
Nine Planets
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Radiólise:
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