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COMO É QUE ENCONTRAMOS UM ENXAME DE ESTRELAS? SIMPLES, BASTA CONTÁ-LAS
21 de novembro de 2017

 


Uma vista de todo o céu de estrelas na nossa Galáxia - a Via Láctea - e galáxias vizinhas, com base no primeiro ano de observações do satélite Gaia da ESA, desde julho de 2014 até setembro de 2015. Este mapa mostra a densidade de estrelas observadas pelo Gaia em cada porção do céu. Regiões mais brilhantes indicam concentrações mais densas de estrelas, enquanto regiões mais escuras correspondem a zonas do céu onde são observadas menos estrelas.
A Via Láctea é uma galáxia espiral, com a maioria das suas estrelas a residir num disco com aproximadamente 100.000 anos-luz de diâmetro e cerca de 1000 anos-luz de espessura. Esta estrutura é visível no céu como o Plano Galáctico - a porção mais brilhante desta imagem - que está posicionada horizontalmente e é especialmente brilhante no centro.
As regiões mais escuras do Plano Galáctico correspondem a nuvens densas de gás e poeira interestelar que absorvem a luz estelar ao longo da linha de visão.
Muitos enxames abertos e globulares - agrupamentos de estrelas mantidas juntas pela sua gravidade mútua - estão também espalhados pela imagem.
Os enxames globulares, grandes conjuntos de centenas de milhares até milhões de estrelas velhas, são principalmente encontrados no halo da Via Láctea, uma estrutura aproximadamente esférica com um raio de mais ou menos 100.000 anos-luz e por isso são visíveis na imagem.
Os enxames abertos são aglomerados mais pequenos com centenas até milhares de estrelas e encontram-se principalmente no Plano Galáctico.
Os dois objetos brilhantes perto do canto inferior direito da imagem são as Grande e Pequena Nuvem de Magalhães, duas galáxias anãs que orbitam a Via Láctea. Também são visíveis outras galáxias próximas, principalmente Andrómeda (também conhecida como M31), a maior vizinha galáctica da Via Láctea, em baixo e à esquerda da imagem. Por baixo de Andrómeda está a sua galáxia satélite, M33 ou Galáxia do Triângulo.
Na imagem estão presentes vários artefactos. Estas características curvas e listas mais escuras não são de origem astronómica mas, ao invés, refletem o processo de digitalização do Gaia. Tendo em conta que este mapa é baseado em observações recolhidas durante o primeiro ano da missão, o estudo ainda não é uniforme em todo o céu.
Estes artefactos irão gradualmente desaparecer à medida que mais dados são recolhidos durante os cinco anos da missão.
Crédito: ESA/Gaia/DPAC; reconhecimento - A. Moitinho & M. Barros (CENTRA - Universidade de Lisboa), em nome do DPAC
(clique na imagem para ver versão maior)

 

É a reunião perfeita entre o "velho" e o "novo". Os astrónomos combinaram os dados mais recentes da missão Gaia da ESA com uma simples técnica de análise do século XVIII para descobrir um enorme enxame estelar que tinha até agora escapado à deteção. Agora, as investigações subsequentes estão a ajudar a revelar a história de formação estelar da nossa Galáxia, a Via Láctea.

No final do século XVIII, os astrónomos William e Caroline Herschel começaram a contar estrelas. O objetivo era determinar a forma da nossa Galáxia.

Desde 1609, quando Galileu apontou o seu telescópio para a região do céu noturno conhecida como a Via Láctea e viu que era composta por miríades de estrelas ténues, que sabemos que existem diferentes números de estrelas em diferentes direções do espaço. Isto significa que a nossa coleção local de estrelas, a Galáxia, deve ter uma forma. Herschel decidiu descobrir qual seria.

Ele usou um telescópio grande, com 610 cm de comprimento, montado entre armações altas de madeira para "varrer" um círculo largo do céu que passava pela Via Láctea em ângulos retos. Dividiu então esse círculo em mais de 600 regiões e contou ou estimou o número de estrelas em cada uma.

Com esta técnica simples, os irmãos produziram a primeira estimativa da forma da Via Láctea. Avançando rapidamente para o século XXI, atualmente os investigadores usam contagens estelares para procurar enxames escondidos e galáxias satélite. Eles procuram regiões onde a densidade estelar aumenta mais do que o esperado.

Em 1785, o rastreamento circular de Herschel passou perto da estrela mais brilhante do céu noturno, Sirius. Agora, os cientistas que analisam os primeiros dados divulgados pela nave Gaia da ESA revisitaram essa área particular do céu e fizeram uma descoberta incrível.

Eles revelaram um grande enxame estelar que podia ter sido descoberto há mais de século e meio atrás, caso não estivesse tão perto de Sirius.

O enxame foi avistado por Sergey E. Koposov, na altura na Universidade de Cambridge (Reino Unido) e agora na Universidade Carnegie Mellon, Pensilvânia, EUA, e seus colegas. Há uma década que procuram enxames estelares e galáxias satélite em vários levantamentos do céu. Naturalmente, utilizaram também o primeiro lançamento de dados da missão Gaia.

 

Gaia é a missão astrométrica da ESA. Recolhe posições, brilhos e informações adicionais para mais de mil milhões de fontes de luz. Os seus dados permitem nada menos do que a contagem estelar mais precisa de sempre.

Hoje em dia, a laboriosa tarefa de contar estrelas é feita por computadores, mas os resultados ainda precisam ser examinados por humanos. Koposov vasculhava a lista de densidades estelares mais altas quando reparou num enorme enxame. Ao início, parecia bom demais para ser verdade.

"Eu pensei que devia ser um artefacto relacionado com Sirius," afirma. As estrelas brilhantes podem produzir sinais falsos, chamados artefactos, que os astrónomos têm que ter cuidado para não confundirem com estrelas. Um artigo anterior pela equipa do Gaia já havia discutido artefactos em torno de Sirius usando uma zona próxima do céu da que Koposov estava a estudar.

Embora ele tivesse continuado em frente e encontrado outra grande densidade estelar que parecia promissora, a sua mente continuava a querer voltar para a primeira. "Pensei: 'Que estranho, não devíamos ter tantos artefactos de Sirius.' Então voltei atrás e olhei novamente. E percebi que era um objeto genuíno," comenta.

Estes dois objetos foram chamados Gaia 1 (objeto localizado perto de Sirius) e Gaia 2, que está perto do plano da nossa Galáxia, e ambos foram devidamente publicados. Gaia 1, em particular, contém massa suficiente para fabricar alguns milhares de estrelas como o Sol, está localizado a 15 mil anos-luz de distância e abrange 30 anos-luz. Isto significa que é um enxame estelar enorme.

Conjuntos de estrelas como Gaia 1 têm o nome de enxames abertos. São famílias de estrelas que se formaram juntas e que depois se dispersaram gradualmente pela Galáxia. O nosso próprio Sol provavelmente formou-se num enxame aberto. Estas reuniões podem dizer-nos mais sobre a história de formação estelar da nossa Galáxia. Encontrar um novo que pode ser facilmente estudado já está a dar frutos.

"A idade é de grande interesse," comenta Jeffrey Simpson, do Observatório Astronómico Australiano, que realizou observações de acompanhamento com colegas usando o telescópio Anglo-Australiano de 4 metros do Observatório Siding Springs, Austrália.

Ao identificarem 41 membros do enxame, Simpson e colegas descobriram que Gaia 1 é invulgar, pelo menos, de duas maneiras. Em primeiro lugar, tem aproximadamente 3 mil milhões de anos. Isto é estranho porque não existem muitos enxames com esta idade na Via Láctea.

Normalmente, os enxames têm apenas algumas centenas de milhões de anos - estes são os enxames abertos - ou então têm mais de 10 mil milhões de anos - esta é outra classe distinta chamada enxames globulares, situados para lá do disco da Via Láctea, formando um halo à sua volta. Sendo de idade intermédia, Gaia 1 pode representar uma ponte importante na nossa compreensão entre as duas populações.

Em segundo lugar, a sua órbita pela Galáxia é invulgar. A maioria dos enxames abertos fica perto do plano da Galáxia, mas Simpson descobriu que Gaia 1 orbita bem acima antes de descer e passar por baixo. "Tanto pode subir um kiloparsec (mais de 3000 anos-luz) como descer um kiloparsec [em relação ao plano da Galáxia]," comenta. Cerca de 90% dos enxames nunca ultrapassam um-terço dessa distância.

As simulações de enxames com órbitas como a de Gaia 1 mostram que são despojados de estrelas e dispersados por estas passagens pelo plano a alta velocidade. Isto contradiz a estimativa da idade.

"A nossa descoberta de que Gaia 1 tem 3 mil milhões de anos é curiosa, pois os modelos nunca teriam sobrevivido tanto tempo. São necessários mais estudos para tentar conciliar isto," explica Simpson.

Para testar uma possível explicação Alessio Mucciarelli, da Universidade de Bolonha, Itália, e colegas investigaram a composição química de Gaia 1. Este estudo tem a capacidade de ver se o enxame se formou fora da Galáxia e se foi apanhado no ato de "queda".

"A composição química das estrelas pode ser considerada uma assinatura 'genérica' da sua origem. Se um enxame estelar foi formado noutra galáxia, a sua composição química será diferente em relação à da nossa Galáxia," comenta Mucciarelli.

 

Os investigadores descobriram que as composições são praticamente idênticas àquelas esperadas no cenário em que Gaia 1 se tenha formado na Via Láctea - de modo que o enigma permanece.

Agora, Mucciarelli espera que a discrepância possa desaparecer quando o Gaia divulgar mais dados. "Mesmo que os parâmetros orbitais pareçam sugerir uma órbita peculiar, as suas incertezas são suficientemente grandes para impedir qualquer conclusão firme. O segundo lançamento de dados do Gaia vai obter parâmetros orbitais mais precisos e entenderemos melhor se a órbita de Gaia 1 é peculiar ou não," acrescenta.

Além de encontrar novos enxames, os dados do Gaia são úteis para verificar a realidade de associações estelares previamente relatadas. "Usando o 1.º lançamento de dados do Gaia, posso ver estrelas que partilham o mesmo movimento. De modo que posso confirmar quais as que formam verdadeiros enxames abertos," explica Andrés E. Piatti, do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina.

Ele publicou recentemente um estudo que mostra que dez dos quinze enxames abertos anteriormente publicados não eram realmente enxames, apenas acasos estatísticos onde muitas estrelas não relacionadas passavam em direções diferentes através da mesma região do espaço.

É um trabalho laborioso, mas vital. "Ninguém quer passar a vida a fazer isto," comenta Piatti, "mas é necessário. Se pudermos determinar o tamanho real da população do enxame, conseguimos aprender muito sobre os processos que a Galáxia sofreu ao longo da sua vida."

Na astronomia, a lista mais famosa de enxames estelares, nebulosas e galáxias foi compilada pelo astrónomo e caçador de cometas, Charles Messier, no século XVIII. Ignorando a importância destes objetos, designou o seu catálogo para impedir a frustração por si sentida, e por outros astrónomos, quando confundia estes "objetos de céu profundo" com cometas.

Esse catálogo original tem 110 objetos. Se não fosse o brilho obscurante de Sirius, a tapar a visão, Gaia 1 teria sido brilhante e óbvio o suficiente para também ter lugar nessa lista. E há muitas razões para pensar que há mais por vir, graças ao Gaia.

O próximo lançamento de dados vai fornecer detalhados movimentos próprios e distâncias para um número sem precedentes de estrelas, dados estes que podem ser usados para encontrar mais eficientemente grupos de estrelas "enterradas" no campo estelar ou grupos demasiado difusos ou distantes para terem sido vistos antes.

Também existe sempre a possibilidade de encontrar algo totalmente novo. "Espero que com o próximo lançamento de dados possamos também encontrar algumas novas classes de objetos," realça Simpson.

Para os astrónomos prontos a explorar os dados do Gaia, a aventura só agora começou. O segundo lançamento de dados do Gaia está agendado para abril de 2018. Os lançamentos de dados subsequentes estão agendados para 2020 e 2022.

 


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A estrela proeminente na imagem, obtida pelo WISE (Wide-Field Infrared Survey Explorer), é Sirius, a estrela mais brilhante do céu noturno.
Para a esquerda de Sirius, e centrado na imagem, está Gaia 1, um enorme enxame aberto descoberto por astrónomos que "minavam" os primeiros dados da missão Gaia.
Gaia podia ter sido descoberto há mais de século e meio, quando os irmãos William e Caroline Herschel mapeavam estrelas para estimar a forma da Via Láctea, caso não estivesse tão perto de Sirius.
Crédito: Sergey Koposov; NASA/JPL; D. Lang, 2014; A. M. Meisner et al. 2017
(clique na imagem para ver versão maior)


Esquerda: o enxame aberto Westerlund 2. Crédito: NASA, ESA, Arquivo Hubble (STScI/AURA), A. Nota (ESA/STScI) e Equipa Científica Westerlund
Direita: o enxame globular 47 Tucanae. Crédito: NASA, ESA, Arquivo Hubble (STScI/AURA) - Colaboração ESA/Hubble. Reconhecimento: J. Mack (STScI) e G. Piotto (Universidade de Pádova, Itália)
(clique nas imagens para ver versão maior)


Links:

Cobertura da missão Gaia pelo Núcleo de Astronomia do CCVAlg:
01/09/2017 - Encontros próximos do tipo estelar
27/06/2017 - Cérebro artificial ajuda Gaia a encontrar estrelas velozes
17/02/2017 - Estrelas desaparecidas da vizinhança solar revelam velocidade do Sol e distância do Centro da Via Láctea
10/02/2017 - Nuvens de Magalhães estão ligadas por uma "ponte" de estrelas
16/09/2016 - O mapa de mil milhões de estrelas do Gaia sugere um tesouro vindouro
28/08/2015 - O primeiro ano de observações científicas do Gaia
07/07/2015 - Contando estrelas com o Gaia
21/01/2014 - Dados do Gaia-ESO mostram que Via Láctea pode ter sido formada de dentro para fora
20/12/2013 - Lançamento do Observatório Gaia

Notícias relacionadas:
ESA (comunicado de imprensa)
Artigo científico - Koposov et al. (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society)
Artigo científico - Koposov et al. (arXiv.org)
Artigo científico - Simpson et al. (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society)
Artigo científico - Simpson et al. (arXiv.org)
Artigo científico - Mucciarelli et al. (Astronomy & Astrophysics)
Artigo científico - Mucciarelli et al. (arXiv.org)
Artigo científico - Piatti et al. (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society)
Gaia: como encontrar um enxame de estrelas (ESA via YouTube)
Gaia "varrendo" o céu (ESA via YouTube)
Artigo científico - Piatti et al. (arXiv.org)
PHYSORG

Enxames estelares:
Enxame aberto (Wikipedia)
Enxame globular (Wikipedia)

Sirius:
Wikipedia

Via Láctea:
Núcleo de Astronomia do CCVAlg
Wikipedia

Gaia:
ESA
ESA - 2
Arquivo de dados do Gaia
SPACEFLIGHT101
Wikipedia

Irmãos Herschel:
William Herschel (Wikipedia)
Caroline Herschel (Wikipedia)

Galileu Galilei:
Biografia (Wikipedia)
Núcleo de Astronomia do CCVAlg

Charles Messier:
Wikipedia
Catálogo de Messier (Wikipedia)

 
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