Impressão da lua Fobos a orbitar Marte.
Crédito: jihemD/Wikimedia Commons
A missão InSight da NASA fornece dados da superfície de Marte. O seu sismómetro, equipado com componentes eletrónicos construídos no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurique), não regista apenas sismos marcianos, mas também reage inesperadamente aos eclipses solares. Quando a lua marciana Fobos se move em frente do Sol, o instrumento inclina-se ligeiramente para um lado. Este efeito minúsculo pode ajudar os investigadores a determinar o interior do planeta.
Um observador em Marte veria a lua Fobos do planeta cruzar o céu de oeste para este a cada cinco horas. A sua órbita passa entre o Sol e qualquer ponto em Marte cerca de uma vez a cada ano terrestre. De cada vez que o faz, provoca um a sete eclipses solares no espaço de três dias. Um local onde isto acontece é no local de pouso do módulo InSight da NASA, estacionado na região de Elysium Planitia desde novembro de 2018. Por outras palavras, o fenómeno ocorre com muito mais frequência do que na Terra, quando a nossa Lua passa em frente do Sol. "No entanto, os eclipses em Marte são mais curtos - duram apenas 30 segundos e nunca são eclipses totais," explica Simon Stähler, sismólogo do Instituto de Geofísica do ETH Zurique. Fotos obtidas por dois rovers da NASA, Opportunity e Curiosity, também mostram a forma irregular da lua contra o plano de fundo do Sol.
As fotografias não são a única forma de observar estes trânsitos. "Quando a Terra passa por um eclipse solar, os instrumentos podem detetar uma descida na temperatura e rajadas rápidas de vento, à medida que a atmosfera arrefece num determinado local e o ar 'foge' dessa zona," explica Stähler. Uma análise dos dados do InSight deverá indicar se efeitos semelhantes também são detetáveis em Marte.
À espera de 24 de abril de 2020
Em abril de 2019, a primeira série de eclipses solares foi visível a partir do local de aterragem do InSight, mas apenas alguns dos dados registados foram guardados. As indicações iniciais levaram Stähler e uma equipa internacional de investigação a se preparar animadamente para a próxima série de eclipses, prevista para 24 de abril de 2020. Publicaram os resultados das suas observações em agosto na revista Geophysical Research Letters.
Como esperado, as células solares do InSight registaram os trânsitos. "Quando Fobos está em frente do Sol, menos luz solar atinge os painéis solares e estes, por sua vez, produzem menos eletricidade," explica Stähler. "Pode ser medido o declínio de exposição solar provocado pela sombra de Fobos". De facto, a quantidade de luz solar diminuiu 30% durante um eclipse. No entanto, os instrumentos meteorológicos do InSight não indicaram mudanças atmosféricas, e os ventos não mudaram conforme o esperado. Ainda assim, outros instrumentos forneceram uma surpresa: tanto o sismómetro quanto o magnetómetro registaram um efeito.
Sinal invulgar do sismómetro
O sinal do magnetómetro é provavelmente devido à diminuição na eletricidade das células solares, como Anna Mittelholz, uma adição recente à equipa de Marte do ETH Zurique, foi capaz de mostrar. "Mas não esperávamos esta leitura do sismómetro; é um sinal invulgar," diz Stähler. Normalmente, o instrumento - equipado com componentes eletrónicos construídos na Suíça - indicaria sismos no planeta. Até agora, o serviço de sismos marcianos, liderado por John Clinton e Domenico Giardini no ETH Zurique, registou cerca de 40 terremotos convencionais, o mais forte dos quais registou uma magnitude de 3,8, bem como várias centenas de sismos regionais e superficiais.
O que foi surpreendente durante o eclipse solar foi que o sismómetro se inclinou ligeiramente numa direção específica. "Esta inclinação é incrivelmente pequena", observa Stähler. "Imagine uma moeda; agora, coloque dois átomos de prata num dos lados da moeda. É dessa inclinação que falamos, 10-8". Por mais leve que este efeito tenha sido, ainda era inconfundível. "A explicação mais óbvia seria a gravidade de Fobos, semelhante ao modo como a Lua da Terra provoca as marés," explica Stähler, "mas rapidamente descartámos isto". Se fosse essa a explicação, então o sinal do sismómetro estaria presente por um longo período de tempo e a cada cinco horas quando Fobos fizesse a sua passagem, não apenas durante os eclipses. Os investigadores determinaram a causa mais provável da inclinação: "Durante um eclipse, o solo arrefece. Deforma-se de maneira desigual, o que inclina o instrumento," diz Martin van Driel, do grupo de investigação de Sismologia e Física das Ondas.
Acontece que um sensor infravermelho mediu de facto um arrefecimento de dois graus do solo em Marte. Os cálculos revelaram que nos 30 segundos do eclipse, a "frente fria" poderia penetrar no solo apenas a uma profundidade micrómetros ou milímetros, mas o efeito foi suficiente para puxar o sismómetro.
Experiências numa antiga mina de prata
Uma observação na Terra apoia a teoria de Stähler. No Observatório da Floresta Negra, localizado numa mina de prata abandonada na Alemanha, Rudolf Widmer-Schnidrig descobriu um fenómeno semelhante: durante um teste de sismómetro, alguém se esqueceu de apagar a luz. O calor emitido por uma lâmpada de 60 watts foi aparentemente suficiente para aquecer a camada superior de granito bem abaixo do solo, de modo que se expandiu ligeiramente e fez com que o sismómetro se inclinasse ligeiramente para um lado.
Os cientistas devem ser capazes de usar o minúsculo sinal de inclinação de Marte para mapear a órbita de Fobos com mais precisão do que era possível anteriormente. A posição do InSight é o local medido com mais precisão de Marte; se os cientistas souberem exatamente a hora de início e fim de um trânsito de Fobos pelo Sol, podem calcular a sua órbita com precisão. Isto é importante para futuras missões espaciais. Por exemplo, a JAXA (agência espacial japonesa) planeia enviar uma sonda às luas de Marte em 2024 e trazer amostras de Fobos de volta à Terra. "Para fazer isso, precisam de saber exatamente para onde estão a dirigir-se," diz Stähler.
O que os dados orbitais precisos revelam
Os dados precisos da órbita de Fobos também podem lançar mais luz sobre o funcionamento interno de Marte. Enquanto a nossa Lua continua a ganhar momento angular e se afasta constantemente da Terra, Fobos está a diminuir de velocidade e gradualmente a cair de volta para Marte. Daqui a 30-50 milhões de anos, irá colidir com a superfície do planeta. "Podemos usar esta ligeira desaceleração para estimar quão elástico é, portanto, quão, quente é o interior de Marte; o material frio é sempre mais elástico do que o quente," explica Amir Khan, também do Instituto de Geofísica do ETH Zurique. Em última análise, os investigadores querem saber se Marte foi formado do mesmo material que a Terra, ou se diferentes componentes podem explicar porque a Terra tem placas tectónicas, uma atmosfera densa e condições que suportam vida - características ausentes em Marte.
Se a lua Fobos obscura o Sol, o sismómetro inclina-se para o lado, uma inclinação incrivelmente minúcula, e regista assim o trânsito da lua em frente do Sol.
Crédito: NASA/JPL-Caltech