Se o lançamento de hoje correr como planeado, e o novo Telescópio Espacial Kepler da NASA entrar em órbita heliocêntrica, a missão pode muito bem mudar o modo como olhamos para o Universo. O Kepler está desenhado para observar milhares de estrelas na nossa Via Láctea e para procurar sinais de planetas tipo-Terra, orbitando numa região adequada à vida.
"O Kepler irá empurrar os limites do desconhecido na nossa Via Láctea, e as suas descobertas podem fundamentalmente alterar a visão da Humanidade acerca de si própria," disse Jon Morse, director da Divisão de Astrofísica da NASA na sede da agência em Washington, D.C.
A sonda tem lançamento previsto para hoje a partir da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, a bordo um foguetão Delta 2. A NASA atrasou a missão por um dia para testes extra no foguetão, após a perda de outra sonda aquando do seu lançamento a semana passada.
A missão Kepler, de 600 milhões de dólares, tem o nome de Johannes Kepler, cientista alemão do século XVII, pioneiro nos campos das ópticas e do movimento planetário. "Agora, 400 anos depois, estamos a usar as suas descobertas para responder à questão profunda e fundamental do nosso lugar no Universo: existem por aí outros planetas tipo-Terra?" afirma Morse.
O Kepler irá usar uma combinação sem precedentes de detectores de luz (totalizando cerca de 95 milhões de pixeis) para capturar as subtis oscilações na luz que caracteriza a passagem de um planeta extra-solar em frente da sua estrela-mãe. Em comparação, uma câmara digital comum poderá ter 10 megapixeis, mas os detectores do Kepler formam uma rede com 95 megapixeis, afirmam os cientistas da missão.
Ao longo das últimas duas décadas, os cientistas avistaram mais de 300 planetas extra-solares em órbita de outras estrelas na nossa Galáxia. A maioria destes planetas tem aproximadamente o tamanho de Júpiter ou é ainda maior, o que torna improvável a presença de vida. Mas estes não são os alvos do Kepler.
"Estamos interessados em planetas como a Terra, planetas rochosos numa órbita onde a vida possa ser possível," disse o investigador principal para o Kepler, William Borucki do Centro de Pesquisa Ames da NASA em Moffett Field, Califórnia, EUA.
O Kepler irá apontar o seu telescópio com 0,95 metros e uma rede de 42 dispositivos (microchips sensíveis à luz, os chamados CCDs, também comuns nas máquinas digitais) a um grupo alvo pré-seleccionado de 100.000 estrelas. Irá então procurar flutuações na luz de cada estrela que resulta de um trânsito planetário - a passagem em frente da sua estrela-mãe, visto da perspectiva da Terra. Estas flutuações podem dizer aos cientistas quão grande é o planeta, bem como quão distante é a sua órbita em torno da sua estrela-mãe.
"Quando um planeta passa em frente de uma estrela, bloqueia parte da sua luz," explica Borucki. "Quanto maior o planeta, mais luz bloqueia, por isso conseguimos obter o tamanho do planeta a partir da diminuição do brilho." Ao observar trânsitos múltiplos, a equipa do Kepler pode determinar o período orbital do planeta, ou quanto tempo o planeta demora a orbitar a sua estrela. Cada planeta terá que ser observado pelo menos durante três trânsitos, afirma Borucki, para determinar o período e para ter a certeza que a diminuição de brilho não é devida a outros fenómenos astronómicos, como uma mancha estelar. "Não queremos fazer falsas descobertas; queremos ter muita, muita certeza que quando dizemos que é um planeta tipo-Terra, o é realmente," afirma Borucki.
Se o planeta potencial tiver um curto período orbital (de poucos dias ou semanas), isto significa que orbita muito perto da estrela. Um longo período (de vários anos) significa que fica perto do limite do puxo gravitacional da estrela. No geral, tais órbitas extremas tornariam o planeta demasiado quente ou demasiado frio, respectivamente, para a vida aí nascer.
Borucki e o resto da equipa do Kepler estão interessados em descobrir planetas com uma órbita entre estes dois extremos, uma que "não é muito quente, nem muito fria, simplesmente adequada," afirma. Tais órbitas, que caem no que é chamado de "zona habitável" do Sol, significariam que a temperatura do planeta era amena o suficiente para existir água líquida à sua superfície.
Claro, esta zona amena não estará na mesma posição para cada estrela, que pode ter grandes variações consoante a quantidade de luz que a estrela liberta. O Kepler irá estudar três tipos principais de estrelas: estrelas tipo-A, estrelas tipo-G (o grupo a que pertence o nosso Sol), e anãs-M.
As estrelas tipo-A são as mais quentes das três, que empurram a sua zona habitável para mais longe. São "muito luminosas, libertam imensas quantidades de energia, e a sua zona habitável é na realidade muito mais longe da estrela do que a do nosso Sol," disse a astrónoma Debra Fischer da Universidade Estatal de São Francisco, EUA, que não está directamente envolvida na missão Kepler.
A zona habitável das estrelas tipo-G situa-se aproximadamente na órbita da Terra, por isso quaisquer candidatos a exoplanetas teriam que ter um período orbital de cerca de um ano.
As anãs-M, entretanto, situam-se no outro extremo. "Estas estrelas de luminosidade muito baixa não libertam tanta energia," explica Fischer. "Para nos encontramos na zona habitável de uma destas estrelas de baixa-massa, teríamos que nos mover para mais perto da estrela." Por isso os planetas na zona habitável de uma anã-M terão períodos orbitais muito mais rápidos do que aquelas nas zonas habitáveis das estrelas tipo-G ou A.
"Sendo assim, o que o Kepler irá fazer é observar cuidadosamente, pois à medida que um planeta passa em frente de uma estrela, esta como que 'pisca', no sentido de diminuir a sua luz, e com as anãs-M, a frequência destes eventos planetários na zona habitável será muito maior," explica Fischer.
O Kepler não enviará de volta notícias de um gémeo da Terra rapidamente. Uma vez que se encontra na sua órbita e esteja devidamente calibrado, provavelmente enviará primeiro detecções de planetas maiores. Os primeiros planetas a "sair da linha de montagem do Kepler" serão provavelmente os chamados "Jupiteres Quentes", diz Fischer. Os planetas são interessantes para os astrónomos porque são do tamanho de Júpiter mas situam-se numa órbita comparável à de Mercúrio. "O gigantesco número destes objectos que o Kepler vai encontrar, ajudar-nos-á a aprender muito sobre estes sistemas," diz Fischer.
Os próximos a sair do forno serão os similarmente denominados 'Neptunos Quentes', e depois, finalmente, "a detecção mais difícil, e de longe a mais excitante, será a detecção de planetas tipo-Terra," afirma.
Embora o Kepler não seja capaz de transmitir aos astrónomos como é que estes planetas são, Fischer pensa que haverá grande variedade nas outras potenciais Terras por aí, por exemplo, 'mundos aquáticos' cobertos totalmente por oceanos. Penso que os escritores de ficção científica vão encontrar um desafio ao imaginar a diversidade do que poderemos esperar descobrir mesmo nestes tipos de planetas," disse.
Ninguém sabe qual será o número exacto de planetas tipo-Terra que o Kepler irá descobrir, "porque não sabemos o que se encontra por aí". "O Kepler está desenhado para encontrar centenas de planetas tipo-Terra, se tais planetas forem comuns em torno de outras estrelas; dúzias destes planetas se estiverem na zona habitável," afirma Borucki. "Se os descobrirmos, certamente significará que a vida pode muito bem ser comum por toda a Galáxia, porque é uma oportunidade para a vida ter um lar para evoluir."
"Se, por outro lado, não descobrirmos nenhum, esta será outra profunda descoberta. Isto significará que as Terras devem ser muito raras, e que poderemos ser a única vida no nosso Universo," disse Borucki. "Isto significa que não vai haver 'Caminho das Estrelas.'"
Borucki salientou que, independentemente do que o Kepler descubra, não serão pequenos homenzinhos verdes. "Embora o Kepler não vá descobrir o E.T., irá ajudar-nos a descobrir o seu lar," concluíu.
Links:
Núcleo de Astronomia do Centro Ciência Viva do Algarve:
20 de Fevereiro de 2008 - Muitas, talvez a maioria das estrelas tipo-Sol podem formar planetas
25 de Junho de 2008 - Astrónomos à beira de descobrir gémeo da Terra
4 de Fevereiro de 2009 - COROT descobre o planeta extrasolar mais
pequeno até agora
6 de Fevereiro de 2009 - Telescópio Kepler irá pesquisar "Terras" extrasolares
18 de Fevereiro de 2009 - Via Láctea poderá ter milhares de milhões de "Terras"
Notícias relacionadas:
PHYSORG.com
SPACE.com
BBC News
MSNBC
USA Today
FOXNews.com
AFP
Telescópio Espacial Kepler:
NASA (página oficial)
Vídeo acerca da missão Kepler (via SPACE.com)
Mapa das zonas de estudo do Kepler (formato PDF)
Wikipedia
Planetas extrasolares:
Wikipedia
Wikipedia (lista)
Wikipedia (lista de extremos)
Catálogo de planetas extrasolares vizinhos (PDF)
PlanetQuest
Enciclopédia dos Planetas Extrasolares
Exosolar.net
Extrasolar Visions |
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Técnicos que trabalham no complexo de Operações Espaciais Astrotech perto do Centro Espacial Kennedy da NASA observam a sonda Kepler pouco depois de ter chegado à Flórida, em preparação para o seu lançamento.
Crédito: NASA/Tim Jacobs
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O Kepler serve como um medidor de luz ultra-sensível, que usa uma rede de CCDs que medem as mudanças de brilho numa estrela provocadas pelo trânsito de um planeta em frente da sua estrela-mãe.
Crédito: Ball Aerospace
(clique na imagem para ver versão maior)

Na plataforma de lançamento 17-B da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, na Flórida, EUA, trabalhadores cuidadosamente observam a segunda metade da cobertura sendo transferida para a torre móvel de serviço para ser colocada em torno do telescópio Kepler (esquerda), no dia 26 de Fevereiro de 2009.
Crédito: NASA/Jack Pfaller

Esta imagem ilustra os 3000 anos-luz da área-alvo da sonda Kepler.
Crédito: NASA/Jon Lomberg
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Área-alvo do Kepler na Via Láctea.
Crédito: Carter Roberts
(clique na imagem para ver versão maior)

Impressão de artista do Telescópio Espacial Kepler no espaço.
Crédito: NASA
(clique na imagem para ver versão maior) |