EXOMARS DESCOBRE NOVO GÁS E RASTREIA PERDA DE ÁGUA EM MARTE 12 de fevereiro de 2021
A sonda ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA-Roscosmos estuda o vapor de água e os seus componentes enquanto estes sobem pela atmosfera e para o espaço. Ao observar especificamente a proporção de hidrogénio em relação ao seu equivalente mais pesado deutério, podemos rastrear a evolução da perda de água ao longo do tempo.
Crédito: ESA
O sal marinho incorporado na superfície empoeirada de Marte e elevado à atmosfera do planeta levou à descoberta de cloreto de hidrogénio - a primeira vez que a ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA-Roscosmos detetou um novo gás. A aeronave está também a fornecer novas informações sobre como Marte está a perder água.
Uma das principais buscas na exploração de Marte é a procura de gases atmosféricos ligados à atividade biológica ou geológica, bem como a compreensão do inventário de água passado e presente do planeta, para determinar se Marte poderia ter sido habitável e se algum reservatório de água poderia ser acessível para exploração humana futura. Dois novos resultados da equipa ExoMars, publicados na Science Advances, revelam uma classe química inteiramente nova e fornecem mais informações sobre as mudanças sazonais e as interações superfície-atmosfera como forças motrizes por trás das novas observações.
Uma nova química
"Descobrimos, pela primeira vez, o cloreto de hidrogénio em Marte. Esta é a primeira deteção de um gás halogénio na atmosfera de Marte e representa um novo ciclo químico a ser entendido," disse Kevin Olsen, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, um dos principais cientistas da descoberta.
O gás cloreto de hidrogénio, ou HCl, compreende um átomo de hidrogénio e cloro. Os cientistas de Marte estavam sempre à procura de gases à base de cloro ou enxofre porque são possíveis indicadores de atividade vulcânica. Mas a natureza das observações do cloreto de hidrogénio - o facto de ter sido detetado em locais muito distantes ao mesmo tempo, e a falta de outros gases que seriam esperados da atividade vulcânica - aponta para uma fonte diferente. Ou seja, a descoberta sugere uma interação superfície-atmosfera inteiramente nova impulsionada pelas estações de poeira em Marte que não haviam sido exploradas anteriormente.
Num processo muito semelhante ao observado na Terra, sais na forma de cloreto de sódio - remanescentes de oceanos evaporados e incrustados na superfície empoeirada de Marte - são elevados à atmosfera pelos ventos. A luz solar aquece a atmosfera fazendo com que a poeira, juntamente com o vapor de água libertado pelas calotes polares, suba. A poeira salgada reage com a água atmosférica para libertar cloro, que então reage com moléculas que contêm hidrogénio para criar cloreto de hidrogénio. Outras reações podem fazer com que a poeira rica em cloro ou ácido clorídrico volte à superfície, talvez como percloratos, uma classe de sal feita de oxigénio e cloro.
"É preciso vapor de água para libertar o cloro e dos subprodutos da água - o hidrogénio - para formar o cloreto de hidrogénio. A água é crítica nesta química," diz Kevin. "Também observámos uma correlação com a poeira: vemos mais cloreto de hidrogénio quando a atividade da poeira aumenta, um processo ligado ao aquecimento sazonal do hemisfério sul."
A equipa detetou o gás, pela primeira vez, durante a tempestade de poeira global em 2018, observando-o aparecer simultaneamente nos hemisférios norte e sul, e testemunhou o seu desaparecimento, surpreendentemente rápido, novamente no final do período sazonal de poeira. Já estão a analisar os dados recolhidos durante a temporada de poeira subsequente e veem o HCl a subir novamente.
"É incrivelmente gratificante ver os nossos instrumentos sensíveis a detetar um gás nunca antes visto na atmosfera de Marte," disse Oleg Korablev, principal investigador do instrumento ACS (Atmospheric Chemistry Suite) que fez a descoberta. "A nossa análise liga a geração e o declínio do gás cloreto de hidrogénio à superfície de Marte."
Serão necessários extensos testes de laboratório e novas simulações atmosféricas globais para entender melhor a interação superfície-atmosfera baseada em cloro, juntamente com observações contínuas em Marte para confirmar que a ascensão e queda de HCl são impulsionadas pelo verão do hemisfério sul.
"A descoberta do primeiro novo gás vestigial na atmosfera de Marte é um marco importante para a missão TGO," disse Håkan Svedhem, cientista do projeto ExoMars TGO da ESA. "Esta é a primeira nova classe de gás descoberta desde a alegada observação do metano pela Mars Express da ESA em 2004, o que motivou a busca por outras moléculas orgânicas e culminou no desenvolvimento da missão Trace Gas Orbiter, para a qual a deteção de novos gases é um objetivo principal."
O aumento do vapor de água contém pistas sobre a evolução do clima
Além de novos gases, a TGO está a refinar a nossa compreensão de como Marte perdeu a sua água - um processo que também está ligado a mudanças sazonais.
Acredita-se que a água líquida tenha fluído pela superfície de Marte, como evidenciado nos numerosos exemplos de antigos vales secos e canais de rios. Hoje, está principalmente presa nas calotes polares e enterrada no subsolo. Marte ainda hoje está a perder água, na forma de hidrogénio e oxigénio que escapa da atmosfera.
Compreender a interação dos reservatórios portadores de água em potencial e o seu comportamento sazonal e de longo prazo é a chave para compreender a evolução do clima de Marte. Isto pode ser feito através do estudo do vapor de água e da água "semipesada" (onde um átomo de hidrogénio é substituído por um átomo de deutério, uma forma de hidrogénio com um neutrão adicional).
"A proporção de deutério para hidrogénio, D/H, é o nosso cronómetro - uma métrica poderosa que nos conta mais sobre a história da água em Marte e como a perda de água evoluiu ao longo do tempo. Graças à ExoMars TGO, podemos agora entender e calibrar melhor este cronómetro e testar novos reservatórios de água em Marte," disse Geronimo Villanueva do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA e autor principal do novo resultado.
"Com a Trace Gas Orbiter, podemos observar o caminho dos isotopólogos da água à medida que sobem para a atmosfera com um nível de detalhe que antes não era possível. As medições anteriores forneceram apenas a média sobre a profundidade de toda a atmosfera. É como se antes tivéssemos apenas uma visualização 2D, agora podemos explorar a atmosfera em 3D," diz Ann Carine Vandaele, principal investigadora do instrumento NOMAD (Nadir and Occultation for MArs Discovery) que foi usado para esta investigação.
As novas medições revelam uma variabilidade dramática em D/H com a altitude e a estação à medida que a água sobe do seu local original. "Curiosamente, os dados mostram que, uma vez que a água é totalmente vaporizada, ela exibe principalmente um grande enriquecimento comum em águas semipesadas e uma razão D/H seis vezes maior do que a da Terra em todos os reservatórios de Marte, confirmando que grandes quantidades de água foram perdidas ao longo do tempo," diz Giuliano Liuzzi, da American University e do Goddard Space Flight Center da NASA e um dos principais cientistas da investigação.
Os dados da ExoMars recolhidos entre abril de 2018 e abril de 2019 também mostraram três casos que aceleraram a perda de água da atmosfera: a tempestade de poeira global de 2018, uma tempestade regional curta, mas intensa, em janeiro de 2019 e libertação de água da calote polar sul durante os meses de verão ligada à mudança sazonal. Digno de nota é uma nuvem de vapor de água crescente durante o verão do sul que potencialmente injetaria água na alta atmosfera numa base sazonal e anual.
Futuras observações coordenadas com outras aeronaves, incluindo a MAVEN da NASA, que se concentra na alta atmosfera, fornecerão perceções complementares para a evolução da água durante o ano marciano.
"A mudança das estações em Marte, e em particular o verão relativamente quente no hemisfério sul, parece ser a força motriz por trás das nossas novas observações, como a maior perda de água atmosférica e a atividade de poeira ligada à deteção de cloreto de hidrogénio, que vemos nos dois últimos estudos," acrescenta Håkan. "As observações da TGO estão a permitir-nos explorar a atmosfera marciana como nunca antes."
Este gráfico descreve um possível novo ciclo químico em Marte após a descoberta de cloreto de hidrogénio na atmosfera pela ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA-Roscosmos. Sais na forma de cloredo de sódio (NaCl) - remanescentes de oceanos evaporados e embebidos na superfície poeirenta de Marte - estão espalhados pela superfície de Marte. Os ventos levantam esta poeira salgada para a atmosfera. A luz solar aquece a atmosfera empoeirada, fazendo com que o vapor de água libertado pelas calotes polares suba. A poeira salgada reage com a água atmosférica para libertar cloro (Cl), que por sua vez reage com moléculas contendo hidrogénio (H) para criar cloreto de hidrogénio (HCl). Um processo semelhante ocorre na Terra: o sal marinho é lançado para o ar e se se misturar com vapor de água, o cloro torna-se disponível para as reações químicas que formam HCl.
Outras reações podem fazer com que a poeira rica em cloro ou cloreto de hidrogénio regresse à superfície de Marte, talvez como percloratos, uma classe de sal composa por oxigénio e cloro. Observa-se que o HCl aparece e desaparece rapidamente da atmosfera, por isso deve ser criado e destruído rapidamente, com alguma fração regressando à superfície.
As observações da Exomars TGO sugerem que este pode ser um processo anual impulsionado pela mudança das estações, especificamente o aquecimento da calote polar sul durante o verão, que liberta vapor de água para a atmosfera. O calor extra também gera ventos fortes à medida que o ar se move das regiões quentes para as frias. Por sua vez, os ventos levantam mais poeira, desencadeando tempestades de poeira regionais e globais.
O gráfico está simplificado para mostrar amplamente uma maneira possível de produzir cloreto de hidrogénio; provavelmente existem percursos adicionais para as reações químicas que também podem estar em jogo, talvez com outros traços que a ExoMars ainda não descobriu.
Crédito: ESA
A sonda ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA-Roscosmos estuda o vapor de água e os seus componentes enquanto estes sobem pela atmosfera e para o espaço. Ao observar especificamente a proporção de hidrogénio em relação ao seu equivalente mais pesado deutério, podemos rastrear a evolução da perda de água ao longo do tempo.
Crédito: ESA
A ExoMars TGO (Trace Gas Orbiter) analisa a atmosfera de Marte com dois espectrómetros: o ACS (Atmospheric Chemistry Suite) e o NOMAD (Nadir and Occultation for MArs Discovery).
O gráfico mostra uma representação simples (não à escala) dos três modos de observação usados. No modo nadir (esquerda), a nave olha diretamente para a luz do Sol refletida da superfície e da atmosfera de Marte. No modo limbo (centro), observa através do horizonte marciano para a emissão da atmosfera. No modo de ocultação solar (direita), os instrumentos apontam através da atmosfera em direção ao Sol e observam como diferentes ingredientes atmosféricos absorvem a luz solar.
Dado que diferentes substâncias químicas têm impressões digitais distintas, estas observações fornecem um inventário detalhado da composição da atmosfera. Estas observações são críticas para detetar gases atmosféricos que existem em pequenas quantidades, mas que desempenham um papel importante em determinar de Marte está ativo hoje - falando seja geologicamente seja biologicamente.
Note que a orientação da nave não é verdadeira: ela é aqui mostrada com o painel de instrumentos voltado para o observador apenas para fins ilustrativos. O ACS é representado pela forma quadrada amarela à frente do orbitador; o NOMAD é a caixa cinzenta também à frente. Aqui está um diagrama legendado.
Crédito: ESA/ATG medialab