Esta ilustração indica a colocação dos dois microfones do Perseverance. O microfone no mastro faz parte do instrumento científico SuperCam. O microfone na lateral do rover destinava-se a captar os sons de entrada, descida, e aterragem para o envolvimento público.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
Um novo estudo baseado em gravações feitas pelo rover Perseverance descobriu que a velocidade do som é mais lenta no Planeta Vermelho do que na Terra e que, sobretudo, prevalece um silêncio profundo.
Ouça atentamente os sons de Marte, registados pelo Perseverance da NASA: o "choramingar" e clicar mecânicos do rover num leve vento marciano; o zumbido dos rotores no Ingenuity, o helicóptero de Marte; o bater crepitante de um laser na rocha.
Uma equipa internacional de cientistas fez precisamente isso, realizando a primeira análise da acústica no Planeta Vermelho. O seu novo estudo revela a rapidez com que o som percorre a atmosfera extremamente fina, sobretudo de dióxido de carbono, como Marte pode soar aos ouvidos humanos e como os cientistas podem usar gravações áudio para sondar alterações subtis da pressão do ar noutro mundo - e para avaliar a saúde do rover.
"É um novo sentido de investigação que nunca utilizámos antes em Marte," disse Sylvestre Maurice, astrofísico da Universidade de Toulouse na França e autor principal do estudo. "Espero que surjam muitas descobertas, utilizando a atmosfera como fonte de som e meio de propagação."
A maioria dos sons do estudo, publicado dia 1 de abril na revista Nature, foram gravados utilizando o microfone do instrumento SuperCam do Perseverance, montado na cabeça do mastro do rover. O estudo também se refere a sons gravados por outro microfone montado no chassis do rover. Este segundo microfone gravou recentemente os sopros e "pings" do gDRT (Gaseous Dust Removal Tool) do rover, que sopra aparas de rochas que o rover raspou para poder examinar.
O resultado das gravações: uma nova compreensão das características estranhas da atmosfera marciana, onde a velocidade do som é mais lenta do que na Terra - e varia com o tom (ou frequência). Na Terra, os sons viajam tipicamente a 343 metros por segundo. Mas em Marte, os sons graves viajam a cerca de 240 metros por segundo, enquanto os sons mais agudos se movem a 250 metros por segundo.
As velocidades variáveis do som no Planeta Vermelho são um efeito da fina e fria atmosfera de dióxido de carbono. Antes da missão, os cientistas esperavam que a atmosfera de Marte influenciasse a velocidade do som, mas o fenómeno nunca tinha sido observado até estas gravações terem sido feitas. Outro efeito desta atmosfera fina: os sons viajam apenas uma curta distância, e os tons mais agudos não viajam quase nada. Na Terra, o som pode cair após cerca de 65 metros; em Marte, vacila a apenas 8 metros, com os sons agudos a perderem-se completamente a essa distância.
As gravações do microfone do SuperCam também revelam variações de pressão anteriormente não observadas produzidas pela turbulência na atmosfera marciana à medida que a sua energia muda a escalas minúsculas. Também foram medidas rajadas de vento em escalas de tempo muito curtas.
Uma das características mais marcantes das gravações sonoras, disse Maurice, é o silêncio que parece prevalecer em Marte. "A dada altura, pensámos que o microfone estava avariado, era tudo tão silencioso," acrescentou.
Isso também é uma consequência de Marte ter uma atmosfera tão fina.
"Marte é muito silencioso devido à baixa pressão atmosférica," disse Baptiste Chide do Laboratório Nacional de Los Alamos, no estado norte-americano de Novo México, também coautor do estudo. "Mas a pressão muda com as estações do ano em Marte."
Isso significa que, nos próximos meses de outono, Marte poderá tornar-se mais ruidoso - e fornecer ainda mais informações sobre o seu ar e clima do outro mundo.
"Estamos a entrar numa estação de alta pressão," disse Chide. "Talvez o ambiente acústico em Marte seja menos silencioso do que era quando aterrámos."
Sons da Missão
A equipa acústica também estudou o que o microfone do instrumento SuperCam captou dos rotores duplos e giratórios do Ingenuity, o helicóptero marciano que é o companheiro de viagem do rover e o seu batedor aéreo. Girando a 2500 rotações por minuto, os rotores produzem "um som distinto e de baixa intensidade a 84 hertz," disse Maurice, referindo-se à medida acústica padrão das vibrações por segundo e à taxa de rotação para ambos os rotores.
Por outro lado, quando o laser do SuperCam, que vaporiza pedaços de rocha à distância para estudar a sua composição, atinge um alvo, faz faíscas que criam um ruído agudo acima dos 2 quilohertz.
O estudo dos sons gravados pelos microfones do rover não só revela detalhes da atmosfera marciana, mas também ajuda os cientistas e engenheiros a avaliar a saúde e funcionamento dos muitos sistemas do rover, tal como se pode notar um ruído perturbador ao conduzir um carro.
Entretanto, o instrumento-chave do estudo, o microfone do SuperCam, continua a exceder as expetativas.
"O microfone é agora utilizado várias vezes por dia e tem um desempenho extremamente bom; o seu desempenho global é melhor do que o que tínhamos modelado e até testado num ambiente semelhante ao de Marte na Terra," diz David Mimoun, professor no ISAE-SUPAERO (Institut Supérieur de l’Aéronautique et de l’Espace) e líder da equipa que desenvolveu a experiência do microfone. "Poderíamos até gravar o zumbido do helicóptero marciano a longa distância."
Mais sobre a Missão
Um objetivo principal da missão do Perseverance em Marte é a investigação astrobiológica, incluindo a busca por sinais de vida microbiana antiga. O rover vai caracterizar a geologia do planeta e o clima passado e será a primeira missão a recolher e a armazenar rochas e rególito marciano, abrindo caminho para a exploração humana do Planeta Vermelho.
As missões subsequentes da NASA, em cooperação com a ESA, vão enviar naves a Marte para recolher estas amostras armazenadas à superfície e trazê-las para a Terra para uma análise mais profunda.
A missão Mars 2020 do rover Perseverance faz parte da abordagem da exploração da Lua e de Marte da NASA, que inclui as missões Artemis à Lua que vão ajudar a preparar a exploração humana do Planeta Vermelho.
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