COMETA DA ROSETTA É UM BINÁRIO DE CONTACTO
29 de setembro de 2015
Dois cometas colidiram, a baixa velocidade e durante o Sistema Solar jovem, para dar o aspeto "patinho de borracha" ao Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Esta imagem foi capturada no dia 22 de agosto de 2014 a uma distância de 63,4 km do centro do cometa. Mostra o pequeno lóbulo do cometa à esquerda, com os impressionantes desfiladeiros de Hathor. No pano da frente, à direita, está a macia região Imhotep no glóbulo maior. A imagem tem uma escala de 5,4 metros por pixel e cobre 5,5 km de comprimento.
Crédito: ESA/Rosetta/Navcam
(clique na imagem para ver versão maior)
Os cientistas da missão Rosetta dizem que dois cometas colidiram a baixa velocidade no início do Sistema Solar para dar origem à forma de "patinho de borracha" do Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko.
A origem dos dois lóbulos do cometa tem sido uma questão chave desde que a Rosetta revelou pela primeira vez o seu aspeto em julho de 2014.
Duas hipóteses principais emergiram: será que foi o resultado da fusão entre dois cometas ou será que o "pescoço" foi formado por uma espécie de erosão localizada, num único objeto?
Agora, os cientistas têm uma resposta inequívoca para o enigma. Ao usarem imagens de alta resolução obtidas entre 6 de agosto de 2014 e 17 de março de 2015, para estudar as camadas de material visto por todo o núcleo, mostraram que a forma surgiu de uma colisão, a baixa velocidade, entre dois cometas formados separadamente.
Uma seleção de imagens de alta resolução do OSIRIS, usadas para identificar padrões nas extensas camadas do Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko.
Topo, à esquerda: características geológicas parecidas com socalcos (verde) e camadas expostas (linhas vermelhas tracejadas) no lóbulo maior do cometa. Tornam-se mais inclinados na direção do pescoço do cometa. Esta ampliação mostra terraceamento em dois locais (setas finas brancas e amarelas), juntamente com exemplos de delineamentos paralelos (setas grandes brancas) que definem uma estratificação contínua.
Em baixo, à esquerda: contornos de camadas expostas (linhas vermelhas tracejadas) principalmente nas regiões Imhotep e Ash do lóbulo grande do cometa. O terraceamento em Ash também muda a sua direção de inclinação, em relação à região Set, ligeiramente para Imhotep. Algumas camadas também estão indicadas no lóbulo pequeno do cometa, no pano de fundo. Esta ampliação mostra os detalhes das camadas paralelas numa secção ao longo da fronteira entre as regiões Imhotep e Ash.
Topo, à direita: camadas principais (linhas vermelhas tracejadas) e fraturas transversais (linhas azuis tracejadas) na face do penhasco Hathor do lóbulo pequeno do cometa. Não é vista nenhuma mudança abrupta na orientação das camadas entre Hathor e Ma'at. A ampliação mostra a estratificação num recanto da fronteira entre Hathor e Anuket, fornecendo uma visão da estrutura interior de Anuket, que parece estender-se para baixo de Ma'at. As características geológicas parecidas com socalcos em Anuket (setas brancas) são vistas em orientações diferentes para regiões vizinhas. Em conjunto, isto reforça a ideia que Hathor representa a estrutura interna do cometa, que foi exposta, do qual Anuket é o remanescente.
Em baixo, à direita: camadas (linhas brancas tracejadas) no limite de Anubis e Set no lóbulo grande do cometa. Esta escarpa contínua sugere que a espessura da região Set é de mais ou menos 150 metros. As três setas apontam para uma margem de "terraço" em Anubis e a seta branca solitária aponta para outro "terraço" adjacente à região Atum.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para Equipa OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA; M. Massironi et al (2015)
(clique na imagem para ver versão maior)
"É evidente, a partir das imagens, que ambos os lóbulos têm um invólucro exterior de material organizado em camadas distintas, e nós pensamos que estas se estendem por várias centenas de metros por baixo da superfície," afirma Matteo Massironi, autor principal da Universidade de Pádua, Itália, e cientista associado da equipa OSIRIS.
"Podemos imaginar as camadas um pouco como uma cebola, exceto que neste caso estamos a considerar duas cebolas separadas de tamanhos diferentes que cresceram de forma independente antes de se fundirem."
Os resultados do estudo foram divulgados na revista Nature e apresentados ontem no Congresso Europeu de Ciência Planetária em Nantes, França.
Para chegar a esta conclusão, Matteo e colegas usaram imagens para identificar mais de 100 características parecidas com socalcos à superfície do cometa e camadas paralelas de material claramente visto em paredes de penhascos e fendas expostas. Foi então usado um modelo 3D para determinar as direções do declive e para visualizar como se estendem para o subsolo.
Os métodos utilizados pelos cientistas da Rosetta a fim de determinar a origem dupla da forma do Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko.
Esquerda: foram usadas imagens de alta resolução do instrumento OSIRIS para identificar visualmente 100 características parecidas com socalcos (verde) ou estratos - camadas paralelas de material (linhas vermelhas tracejadas) - em paredes expostas e fendas por toda a superfície do cometa (topo: Hathor e regiões do lóbulo pequeno do cometa; baixo: região Set no lóbulo grande do cometa).
Meio: foi usado um modelo 3D para determinar as direções da inclinação dos estratos e para visualizar como se estendem até ao subsolo. Os planos das camadas estão sobrepostos sobre o modelo (painel da esquerda) e isolados (painel da direita) para mostrar que estão orientados coerentemente em redor do cometa, em dois invólucros delimitadores separados (a barra de escala indica o desvio angular entre o plano e o vetor de gravidade local).
Direita: vetores de gravidade local visualizados no modelo do cometa, perpendiculares aos planos dos estratos, que reforçam a natureza independente dos dois lóbulos.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para Equipa OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA; M. Massironi et al (2015)
(clique na imagem para ver versão maior)
Rapidamente ficou claro que as características estavam orientadas de forma coerente em ambas as partes do cometa e que em alguns lugares atingiam profundidades de aproximadamente 650 metros.
"Este foi o primeiro indício de que os dois lóbulos são independentes, reforçado pela observação de que as camadas estão inclinadas em direções opostas perto do pescoço do cometa," afirma Matteo.
"Para termos a certeza, também analisámos a relação entre a gravidade local e as orientações das características individuais em redor da superfície reconstruída do cometa."
Em termos gerais, as camadas de material formam-se em ângulos retos em relação à gravidade de um objeto. A equipa usou modelos para calcular a intensidade e direção da gravidade no local de cada camada.
Num caso, modelaram o cometa como um único corpo com um centro de massa perto do pescoço. No outro, trabalharam com dois cometas separados, cada um com o seu próprio centro de massa.
A equipa verificou que a orientação de uma dada camada e a direção da gravidade local estão mais próximas, perpendicularmente, no modelo dos dois objetos separados, em vez do exemplo com um único núcleo.
"Isto sugere que as camadas na cabeça e no corpo do cometa formaram-se independentemente antes dos dois objetos se fundirem mais tarde," conclui Matteo. "Deve ter sido uma colisão a baixa velocidade, a fim de preservar estas camadas até às profundidades que os nossos dados implicam."
"Além disso, as semelhanças estruturais marcantes entre os dois lóbulos implicam que, apesar de terem origens inicialmente independentes, devem ter-se formado através de um processo de acreção semelhante," explica o coautor Bjorn Davidsson da Universidade de Uppsala, na Suécia.
"Também foram observadas camadas à superfície de outros cometas durante missões anteriores, sugerindo que esses também sofreram uma história de formação parecida."
Finalmente, a equipa explica que apesar da erosão não ser a causa principal da forma do cometa, ainda desempenha um papel importante na evolução do cometa.
As variações locais vistas na estrutura da superfície provavelmente resultam das diferentes taxas de sublimação - quando o gelo se transforma diretamente em gás - dos gases congelados e incorporados dentro das camadas individuais, camadas estas que não estão necessariamente distribuídas uniformemente ao longo do cometa.
"O modo como o cometa obteve a sua forma curiosa tem sido uma questão importante desde que o vimos pela primeira vez. Agora, graças a este estudo detalhado, podemos dizer com certeza que é um 'binário de contacto'," comenta Holger Sierks, investigador principal do OSIRIS no Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar em Gotinga, Alemanha.
"Este resultado contribui para o conhecimento crescente do cometa - como se formou e qual a sua evolução," explica Matt Taylor, cientista do projeto Rosetta.
"A Rosetta vai continuar a observar o cometa por mais um ano, para obter o máximo de informação sobre este corpo celeste e sobre o seu lugar na história do nosso Sistema Solar".
Imagem obtida pela câmara OSIRIS da Rosetta no dia 22 de setembro de 2014 a uma distância de 28 km. Foca-se na morfologia irregular, fraturada e estratificada da região Set do corpo principal. No pano da frente está um "terraço" largo, com uma grande fenda que revela o esqueleto craterado e interior do núcleo do cometa.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para Equipa OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA
(clique na imagem para ver versão maior)
Esta imagem foi capturada pela Rosetta no dia 5 de setembro de 2014 a uma distância de 44,25 km do Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko. No pano da frente está a região Anubis e um contacto estratificado com a região Set.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para Equipa OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA
(clique na imagem para ver versão maior)