RESULTADOS DA MISSÃO ROSETTA ANTES DO PERIÉLIO
3 de novembro de 2015
"Selfie" da missão Rosetta a uma distância de aproximadamente 16 km da superfície do Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko.
Crédito: ESA/Rosetta/Philae/CIVA
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A Rosetta é uma missão fundamental para o programa de ciência espacial da ESA. A nave espacial foi lançada no dia 2 de março de 2004 e chegou ao seu alvo em agosto de 2014 após uma viagem de dez anos. O destino da sonda, o Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko (ou 67P/C-G), é um cometa de curto período (6,55 anos) e de baixa inclinação orbital. O seu periélio situa-se nos 1,24 UA e a distância do afélio é de 5,68 UA. A Rosetta chegou ao 67P/C-G quando este estava a 3,5 UA do Sol e entrou na sua órbita para o acompanhar na viagem em direção ao Sol. A Rosetta consiste de um orbitador e de um módulo de aterragem, o Philae, que foi implantado na superfície do cometa no dia 12 de novembro de 2014. Ao contrário das missões cometárias anteriores que só passaram pelos seus alvos, a Rosetta orbita pela primeira vez um cometa e segue o seu caminho até ao periélio a fim de testemunhar o despertar da sua atividade.
A revista Astronomy & Astrophysics publicou uma edição especial que cobre uma variedade de temas na ciência cometária e cujos 46 artigos revolucionam este campo científico.
Um primeiro resultado direto da Rosetta foi a oportunidade de ver o núcleo do cometa diretamente. O núcleo exibe uma forma surpreendente parecida com a de um "patinho de borracha", muito diferente das previsões (Preusker et al.). Será que a forma é uma consequência da formação e história de colisões do cometa, ou de uma erosão progressiva? Os investigadores também há muito tempo questionam-se sobre a estrutura cometária. Como é que a composição do núcleo está relacionada com a da cabeleira, como é que um cometa evolui e, claro, como é que os cometas se formam: serão, possivelmente, os blocos de construção de planetas? Com o seu tesouro de dados, a Rosetta fornece algumas respostas a estas perguntas de longa data.
O cometa tem sido, claro, monitorizado a partir da Terra, e a sua atividade tem sido semelhante ao que se esperava, com um aumento gradual durante a sua aproximação ao Sol (Zaprudin et al.). Tornou-se evidente que a maioria da sua atividade vinha de jatos de poeira da região Hapi, isto é, no "pescoço" entre os dois lóbulos do cometa (Lin et al., Lara et al.). A análise dos dados obtidos pelos instrumentos da Rosetta permitiram uma caracterização extensa da atividade do cometa e da sua cabeleira gasosa (Feldman et al., Biver et al., Lee et al., Bieler et al.). As considerações teóricas mostraram que a variação da velocidade de rotação do cometa pode ser explicada pela perda de cerca de um metro de material cometário em cada órbita em torno do Sol (Bertaux). Apenas mais ou menos 6% da superfície precisa de estar ativa para coincidir com os níveis de produção de água observados no periélio (Keller et al.). Para explicar a cauda de poeira observada, a poeira (principalmente grãos de tamanho milimétrico) precisa de ser libertada a partir da superfície do cometa a velocidades muito baixas (Soja et al.). Isto só é possível se a poeira à superfície tiver uma força de tensão muito baixa, mil vezes mais baixa do que a de uma camada de poeira produzida a partir de grãos de tamanho micrométrico. Uma solução é que o núcleo foi formado por meio de colapso gravitacional a partir de um conjunto de agregados milimétricos e até centimétricos (Gundlach et al.).
As observações do núcleo do cometa pela Rosetta mostram uma superfície jovem coberta por um revestimento empoeirado e uma composição possivelmente heterogénea entre os dois lóbulos (El-Maarry et al.). Observa-se uma grande variedade de terrenos e morfologias, incluindo características arredondadas e elevadas que traem condutas de desgaseificação, que por sua vez indicam a existência de grandes espaços vazios primordiais dentro do núcleo (Auger et al.). Foram identificados milhares de pedregulhos que mostram evidências múltiplas de que toda a superfície foi remodelada por deposição de material libertado (Pajola et al., Thomas et al.). A medição das inclinações de encostas permite uma determinação da força de tração do material do cometa. É extremamente baixa, apontando novamente para uma formação lenta por acréscimo suave de agregados porosos (Groussin et al.).
O interior do cometa também foi estudado pela Rosetta. As experiências de laboratório preveem uma estratificação vertical com um manto superior poroso de poeira refratária sobre uma camada de gelo duro formado por recondensação ou sinterização. Em concordância com esta previsão, a superfície do cometa é escura e "poeirenta", mas mostra remendos brilhantes de água gelada suja com tamanhos de um metro (Pommerol et al). As fortes variações diurnas na emissão submilimétrica e milimétrica indicam valores muito baixos de inércia térmica, compatíveis com uma superfície altamente porosa, solta e parecida com rególitos, e sugerem uma estrutura vertical a alguns centímetros da superfície (Brouet et al., Schloerb et al., Choukroun et al.). Embora as observações de radar entre o orbitador e o Philae sejam difíceis de interpretar, sugerem que a permissividade e a constante dielétrica mudam por baixo da superfície (Ciarletti et al.).
Com um albedo geométrico de 6%, o Cometa 67P/C-G é escuro como carvão. O espectro infravermelho e visível do núcleo tem geralmente muito poucas características e é avermelhado, compatível com uma composição orgânica (Fornasier et al., Ciarnello et al., La Forgia et al.). As observações no ultravioleta longínquo confirmam que a superfície está coberta por uma camada homogénea de material e que o gelo da superfície não é ubíquo em grandes abundâncias (Feaga et al.).
As medições com espectrómetros de massa e instrumentos de deteção remota permitiram a determinação direta da composição da cabeleira em função do tempo. Esta informação é importante na determinação da profundidade a que as várias moléculas são originárias. Por exemplo, a produção de água é fraca em regiões com baixa iluminação solar, enquanto o CO2 é libertado tanto de regiões iluminadas como não iluminadas, o que indica que, ao contrário do H2O, o CO2 sublima abaixo da "pele" diurna (Bockelee-Morvan et al.). As espécies menores mostram uma correlação ou com H2O ou com CO2, mas o CH4 mostra um padrão diferente e inexplicado (Luspay-Kuti et al.). O cometa também contém moléculas orgânicas complexas e as grandes diferenças nas abundâncias relativas entre os hemisférios de verão e inverno apontam para uma possível evolução em larga escala da superfície cometária (Le Roy et al.). Com este método até foram detetados iões, permitindo o estudo da química de iões neutra (Fuselier et al.). À superfície do 67P/C-G, o próprio espectrómetro de massa do Philae também mediu com sucesso uma proporção CO/CO2 substancialmente mais baixa do que algumas medições da cabeleira, o que indica a heterogeneidade significativa do núcleo (Morse et al.).
A Rosetta também investigou as interações entre a cabeleira e o vento solar (Broiles et al., Nilsson et al.), descobrindo uma altamente turbulenta interação, mais forte que o esperado (Clark et al.), e a presença de nanogrãos carregados negativamente (Gombosi et al.).
Uma surpresa foi a descoberta de pelo menos quatro grandes grãos com diâmetros entre 10 e 50 cm em órbita do núcleo (Davidsson et al.), bem como milhões de partículas (Fulle et al.). A partir do vento solar e das medições dos espectrómetros de massa, parece que esta poeira tem a mesma abundância de Na (sódio) que os condritos carbonáceos (os meteoritos mais primitivos), mas está esgotada no que toca ao cálcio e tem potássio em excesso (Wurz et al.). Foram encontradas tanto partículas compactas como partículas mais fofas e porosas, com massas entre 0,1 e 100 µg e velocidades entre os 0,3 e 12 m/s (Della Corte et al.). Não foi descoberto, em órbita do núcleo, nenhum objeto com tamanho superior a seis metros (Bertini et al.). Uma partícula de tamanho milimétrico foi descoberta pelo detetor de poeira do Philae. As suas propriedades materiais são compatíveis com uma partícula porosa com uma densidade baixa de aproximadamente 0,25 g/cm3 (Krüger et al.).
Com a sua densidade baixa, alta porosidade e baixas forças de tração, este cometa parece frágil. Mesmo assim, as simulações da história de colisão no Sistema Solar mostram que é altamente improvável que se tenha formado como um único corpo com 4 km e que tenha sobrevivido, inalterado, à viagem de 4,5 mil milhões de anos até nós. Ao invés, deve ser um fragmento de um objeto maior que sofreu uma ou várias colisões maciças (Morbidelli & Rickman). Enquanto o "pescoço" do cometa é a região de onde a maioria dos jatos são originários, a erosão parece ser demasiado limitada para ter escavado centenas de metros de material cometário. O estudo detalhado de imagens da Rosetta, juntamente com modelos teóricos, indica que os dois lóbulos do núcleo do 67P/C-G são derivados de dois objetos distintos que formaram um binário de contacto via uma fusão suave (Rickman et al.).
O Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko ainda guarda muitos segredos. Estes artigos científicos interpretam dados obtidos durante o auge da atividade, isto é, antes do cometa ter alcançado o periélio de dia 13 de agosto de 2015. Já durante esse período, a Rosetta observou mudanças à superfície, como o crescimento de características redondas com 100 metros, associadas com H2O e/ou gelos de CO2 (Groussin et al.). Os dados recolhidos durante e após o periélio prometem ser igualmente ricos em surpresas.
Mosaico composto por quatro imagens, capturado a uma distância de 27,9 km do centro do Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko no dia 12 de janeiro de 2015.
Crédito: ESA/Rosetta/NAVCAM
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