ROVER CURIOSITY ENCONTRA QUÍMICA ORGÂNICA, PASSADA E PRESENTE, EM MARTE
19 de Dezembro de 2014
O rover Curiosity da NASA mediu um aumento de dez vezes no metano, um composto orgânico, na atmosfera em seu redor e detectou outras moléculas orgânicas numa amostra de rocha em pó recolhida pela broca do laboratório robótico.
"Este aumento temporário do metano - acentuadamente para cima e seguidamente uma diminuição - diz-nos que deve haver uma fonte relativamente localizada," afirma Sushil Atreya da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, EUA, também da equipa científica do rover. "Existem muitas fontes possíveis, biológicas ou não-biológicas, como a interacção de água e rocha."
Os investigadores usaram o laboratório SAM (Sample Analysis at Mars) a bordo do Curiosity uma dúzia de vezes ao longo de um período de 20 meses para farejar metano na atmosfera. Durante dois destes meses, no final de 2013 e no início de 2014, quatro medições registaram uma média de sete partes por milhar de milhão. Antes e depois, as leituras tinham em média apenas um-décimo desse nível.
O Curiosity também detectou diferentes químicos orgânicos marcianos em pó perfurado de uma rocha chamada Cumberland, a primeira detecção definitiva de compostos orgânicos em materiais da superfície de Marte. Estes químicos orgânicos ou formaram-se em Marte ou foram entregues por meteoritos.
As moléculas orgânicas, que contêm carbono e normalmente hidrogénio, são blocos químicos de construção da vida, embora possam existir sem a presença de vida. As descobertas do Curiosity, através da análise de amostras da atmosfera e de pó de rocha, não revelam se Marte já abrigou micróbios vivos, mas os resultados lançam luz sobre os processos químicos e modernos de um planeta Marte activo e sobre condições favoráveis à vida no passado.
"Vamos continuar a trabalhar para resolver os quebra-cabeças que estes resultados indicam," afirma John Grotzinger, cientista do projecto Curiosity e do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em Pasadena, EUA. "Será que podemos aprender mais sobre a química activa que provoca estas flutuações de metano na atmosfera? Será que podemos escolher alvos rochosos onde estão preservados compostos orgânicos identificáveis?"
Os investigadores trabalharam muitos meses para determinar se qualquer um dos materiais orgânicos detectados na amostra de Cumberland era verdadeiramente marciano. O laboratório SAM do Curiosity detectou, em várias amostras, alguns compostos orgânicos que foram, na verdade, transportados desde a Terra pelo rover. No entanto, inúmeros testes e análises deram confiança na detecção de compostos orgânicos marcianos.
A identificação de quais as moléculas orgânicas marcianas, em específico, é complicada devido à presença de minerais de perclorato nas rochas e solos marcianos. Quando aquecidos dentro do SAM, os percloratos alteram as estruturas dos compostos orgânicos, e assim sendo as identidades destes químicos marcianos na rocha permanecem incertas.
"Esta primeira confirmação de carbono orgânico numa rocha em Marte é muito promissora," afirma Roger Summons, cientista da missão Curiosity e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, EUA. "Os compostos orgânicos são importantes porque podem dizer-nos mais sobre as vias químicas a partir das quais se formaram e foram preservados. Por sua vez, informa-nos sobre as diferenças Terra-Marte e se os ambientes representados pelas rochas sedimentares na Cratera Gale em particular foram mais ou menos favoráveis para a acumulação de materiais orgânicos. O desafio agora é encontrar outras rochas no Monte Sharp que podem ter inventários orgânicos diferentes e mais extensos."
Os investigadores também relataram que o estudo da água marciana pelo Curiosity, presa em minerais na rocha Cumberland há mais de 3 mil milhões de anos atrás, indica que o planeta perdeu grande parte da sua água antes da formação do leito do lago e continuou a perder grandes quantidades depois.
O SAM analisou isótopos de hidrogénio em moléculas de água presas numa amostra rochosa durante milhares de milhões de anos e libertadas quando o laboratório a aqueceu, gerando informações sobre a história da água marciana. A proporção de um isótopo de hidrogénio mais pesado, deutério, em relação ao isótopo de hidrogénio mais comum, pode fornecer uma assinatura para comparação entre diferentes fases da história de um planeta.
"É deveras interessante que as nossas medições de gases extraídos de rochas antigas pelo Curiosity, nos digam mais sobre a perda de água de Marte," afirma Paul Mahaffy, investigador principal do SAM, do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado americano de Maryland, e autor principal de um artigo publicado esta semana na revista Science.
A proporção de deutério para hidrogénio mudou porque o hidrogénio mais leve escapa da atmosfera superior de Marte muito mais facilmente do que o deutério mais pesado. A fim de voltar atrás no tempo e ver como o rácio deutério-hidrogénio na água marciana mudou, os investigadores podem olhar para a relação na água da atmosfera actual e na água presa em rochas em diferentes momentos da história do planeta.
Os meteoritos marcianos encontrados na Terra fornecem também alguma informação, mas este registo tem lacunas. Não temos meteoritos marcianos com aproximadamente a mesma idade da rocha estudada em Marte, que se formou, segundo as medições do Curiosity, há 3,9-4,6 mil milhões de anos.
A proporção que o Curiosity encontrou na amostra de Cumberland é cerca de metade daquela no vapor de água na atmosfera actual de Marte, sugerindo que grande parte da perda de água do planeta ocorreu antes da formação da rocha. O rácio medido é cerca de três vezes superior ao do reservatório original de água marciana - com base no pressuposto de que este reservatório tinha uma proporção semelhante àquela medida nos oceanos da Terra. Isto sugere, igualmente, que muito da água original de Marte se perdeu antes da formação da rocha.
O Curiosity é um dos elementos da investigação marciana em curso pela NASA em preparação para uma missão humana a Marte na década de 2030. Os resultados da detecção do metano e da química orgânica de Marte numa rocha pelo rover Curiosity foram discutidos numa conferência da União Geofísica Americana em São Francisco.
Esta imagem ilustra possíveis métodos para o aparecimento de metano na atmosfera de Marte (fontes) e subsequente remoção. O rover Curiosity detectou flutuações na concentração de metano na atmosfera, o que implica que ambos os tipos de actividade ocorrem actualmente em Marte.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SAM-GSFC/Univ. de Michigan
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O rover Curiosity perfurou este alvo rochoso, "Cumberland", durante o 279.º dia marciano, ou sol, da missão em Marte (19 de Maio de 2013) e recolheu uma amostra de material do seu interior.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS
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Este gráfico mostra um aumento na abundância de metano na atmosfera de Marte em redor do Curiosity, detectado por uma série de medições feitas com o laboratório SAM a bordo do rover.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
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Esta ilustração mostra algumas razões porque encontrar compostos orgânicos em Marte é difícil. Os químicos orgânicos produzidos em Marte ou entregues em Marte enfrentam vários métodos possíveis de transformação ou de destruição.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
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Os dados presentes neste gráfico são exemplos do laboratório SAM da detecção de compostos orgânicos numa amostra da rocha com o nome "Cumberland", recolhida pela broca do rover Curiosity.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
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Este gráfico compara a quantidade do composto orgânico chamado clorobenzeno, detectado na amostra da rocha "Cumberland", com outras amostras estudadas pelo rover Curiosity.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
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