PLUTÃO EMITE RAIOS-X; PINTA CARONTE DE VERMELHO
16 de setembro de 2016
A primeira deteção de raios-X em Plutão foi feita pelo Observatório de raios-X Chandra da NASA em conjunto com observações da nave New Horizons da NASA.
Crédito: raios-X - NASA/CXC/JHUAPL/R. McNutt et al; ótico - NASA/JHUAPL
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Usando o Observatório de raios-X Chandra da NASA, cientistas fizeram as primeiras deteções de raios-X oriundos de Plutão. Estas observações oferecem novas informações sobre o ambiente espacial em redor do maior e mais bem conhecido objeto nas regiões ultraperiféricas do Sistema Solar.
Enquanto a sonda New Horizons da NASA viajava a alta velocidade em direção e depois para lá de Plutão, o Chandra foi apontado várias vezes para o planeta anão e para as suas luas, recolhendo dados sobre Plutão para que as missões os pudessem comparar depois do "flyby". Cada vez que o Chandra era apontado para Plutão - quatro vezes ao todo, entre fevereiro de 2014 e agosto de 2015 - detetou raios-X de baixa energia oriundos do planeta anão.
Plutão é o maior objeto da Cintura de Kuiper, um anel ou cintura que contém uma vasta população de pequenos corpos em órbita do Sol para lá de Neptuno. A Cintura de Kuiper estende-se desde a órbita de Neptuno, a 30 vezes a distância da Terra ao Sol, até cerca de 50 vezes a distância Terra-Sol. A órbita de Plutão varia como a extensão da Cintura de Kuiper.
"Detetámos, pela primeira vez, raios-X provenientes de um objeto da nossa Cintura de Kuiper e aprendemos que Plutão está a interagir com o vento solar de forma inesperada e energética," afirma Carey Lisse, astrofísico do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins em Laurel, no estado norte-americano de Maryland, que liderou a equipa de observação do Chandra juntamente com o colega e coinvestigador da New Horizons Ralph McNutt. "Podemos esperar que outros grandes objetos da Cintura de Kuiper façam o mesmo."
A equipa publicou recentemente os seus achados na edição online da revista Icarus. O artigo menciona o que Lisse afirma ser uma deteção um tanto ou quanto surpreendente, dado que Plutão - sendo frio, rochoso e sem um campo magnético - não tem nenhum mecanismo natural para emitir raios-X. Mas Lisse, que também liderou a equipa que fez as primeiras deteções de raios-X num cometa há duas décadas atrás, sabia que a interação entre os gases que rodeiam estes corpos planetários e o vento solar - o fluxo constante de partículas carregadas do Sol que viajam pelo Sistema Solar - podia produzir raios-X.
Os cientistas da New Horizons estavam particularmente interessados em aprender mais sobre a interação entre os gases na atmosfera de Plutão e o vento solar. A nave espacial transporta um instrumento concebido para medir esta atividade de perto - de nome SWAP (Solar Wind Around Pluto) - e os cientistas estão usando estes dados para criar uma imagem de Plutão que contém uma muito leve e íntima onda de choque, onde o vento solar "conhece" Plutão (parecida à onda de choque que se forma num avião supersónico) e uma pequena cauda atrás do planeta.
O mistério imediato é que as leituras do Chandra, no que toca ao brilho dos raios-X, são muito mais elevadas do que o esperado da interação entre o vento solar e a atmosfera de Plutão.
"Antes das nossas observações, os cientistas pensavam que era altamente improvável que detetássemos raios-X em Plutão, provocando um forte debate sobre se o Chandra até o devesse observar," afirma o coautor Scott Wolk, do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica em Cambridge, Massachusetts, EUA. "Antes de Plutão, o mais distante corpo do Sistema Solar onde já se tinha detetado emissão de raios-X era nos anéis e disco de Saturno."
A deteção do Chandra é especialmente surpreendente pois a New Horizons descobriu que a atmosfera de Plutão era muito mais estável do que a atmosfera fugaz, "tipo-cometa" que muitos cientistas esperavam antes da sonda por lá passar em julho de 2015. De facto, a New Horizons descobriu que a interação de Plutão com o vento solar é muito mais parecida com a interação do vento solar com Marte do que com um cometa. No entanto, apesar de Plutão libertar gás suficiente para produzir os raios-X, nos modelos simples da intensidade do vento solar à distância de Plutão, não existe vento solar suficiente para os produzir.
Lisse e colegas - que também incluem os coinvestigadores do SWAP David McComes da Universidade de Princeton e Heather Elliott do SwRI (Southwest Research Institute) - sugerem várias possibilidades para a emissão reforçada de raios-X de Plutão. Estas incluem uma muito mais larga e maior cauda de gases que seguem Plutão do que a New Horizons detetou com o seu instrumento SWAP. Outras possibilidades são que os campos magnéticos interplanetários concentram mais partículas do vento solar do que o esperado na região em redor de Plutão, ou que a baixa densidade do vento solar no Sistema Solar exterior, à distância de Plutão, poderá permitir a formação de um "donut", ou toro, de gás neutro centrado em torno da órbita de Plutão.
O facto de que as medições do Chandra não combinam muito bem com as observações obtidas de perto pela New Horizons é o benefício - e beleza - de uma oportunidade como a passagem da New Horizons. "Quando temos a hipótese única de passar por Plutão, queremos apontar cada bocado de vidro - cada telescópio no solo e no espaço - para o alvo," comenta McNutt. "As medições unem-se e dão-nos uma imagem muito mais completa que não podíamos obter em qualquer outro momento, a partir de qualquer outro lugar."
A New Horizons tem uma oportunidade para testar estes achados e lançar ainda mais luz sobre esta distante região - a milhares de milhões de quilómetros da Terra - como parte da sua recém-aprovada missão alargada para examinar a Cintura de Kuiper e encontrar-se com outro pequeno objeto, 2014 MU69, no dia 1 de janeiro de 2019. É improvável que se consiga detetar raios-X oriundos de MU69, mas o Chandra poderá conseguir fazê-lo para outros objetos maiores e mais próximos que a New Horizons vai observar enquanto voa através da Cintura de Kuiper em direção a MU69.
Plutão "pinta" a sua maior lua de vermelho
Em junho de 2015, quando as câmaras a bordo da nave New Horizons da NASA viram pela primeira vez a região polar avermelhada da maior lua de Plutão, Caronte, os cientistas da missão sabiam duas coisas: que nunca tinham visto nada parecido noutro lugar do nosso Sistema Solar e que estavam ansiosos por descobrir a história por detrás.
Ao longo do último ano, depois de analisarem as imagens e outros dados que a New Horizons transmitiu do seu encontro histórico de julho de 2015 com o sistema plutoniano, os cientistas pensam ter resolvido o mistério. Tal como detalhadamente divulgam na revista científica Nature, a coloração polar de Caronte vem do próprio Plutão - à medida que o metano gasoso escapa da atmosfera de Plutão e fica "preso" pela gravidade da lua, arrefece à superfície fria do polo de Caronte. Isto é seguido por um processo químico, induzido pela luz ultravioleta do Sol, que transforma o metano em hidrocarbonetos mais pesados e, eventualmente, em materiais orgânicos avermelhados chamados "tholins".
"Quem diria que Plutão é um artista de graffiti, pulverizando a sua companheira com uma mancha avermelhada?" pergunta Will Grundy, coinvestigador da New Horizons, do Observatório Lowell em Flagstaff, no estado norte-americano do Arizona, e autor principal do artigo. "De cada vez que exploramos, encontramos surpresas. A Natureza é incrivelmente inventiva no que toca a usar as leis básicas da física e da química para criar paisagens espetaculares."
A equipa combinou análises de imagens detalhadas de Caronte obtidas pela New Horizons com modelos de computador de como o gelo evolui nos polos de Caronte. Os cientistas da missão já tinham especulado anteriormente que o metano da atmosfera de Plutão ficava preso no polo norte de Caronte e que era lentamente convertido neste material avermelhado, mas não tinham modelos para suportar esta ideia.
A equipa da New Horizons vasculhou os dados para determinar se as condições na lua - com um diâmetro de 1212 km - podiam permitir a captura e processamento do gás metano. Os modelos que usavam a órbita de 248 anos de Plutão e Caronte, em torno do Sol, mostravam algumas condições meteorológicas extremas nos polos de Caronte, onde 100 anos de luz solar contínua alternavam com outro século de escuridão contínua. As temperaturas à superfície durante estes longos invernos caem até aos -257º C, frio o suficiente para congelar o gás metano num sólido.
"As moléculas de metano saltitam à superfície de Caronte até que ou escapam novamente para o espaço ou aterram no polo frio, onde congelam, formando uma fina camada de metano gelado que dura até a luz solar voltar na primavera," explica Grundy. Mas enquanto o gelo de metano é rapidamente sublimado, os hidrocarbonetos mais pesados, formados a partir dele, permanecem à superfície.
A luz do Sol ainda irradia mais estes remanescentes, tornando-os num material avermelhado - chamados "tholins" - que lentamente foram acumulados nos polos de Caronte ao longo de milhões de anos. As observações do outro polo da Caronte pela New Horizons, atualmente sob a escuridão de inverno - e visto pela New Horizons apenas graças à luz refletida por Plutão - confirmaram que a mesma atividade ocorre em ambos os polos.
"Este estudo resolve um dos maiores mistérios encontrados em Caronte, a lua gigante de Plutão," afirma Alan Stern, investigador principal da New Horizons e do SwRI (Southwest Research Institute), coautor do estudo. "E abre a possibilidade de outros pequenos planetas anões na Cintura de Kuiper, também com luas, poderem criar uma 'transferência atmosférica' semelhante ou ainda mais pronunciada."
A sonda New Horizons da NASA captou esta imagem melhorada e de alta-resolução da maior lua de Plutão, Caronte, pouco antes da maior aproximação de dia 14 de julho de 2015. A fotografia combina imagens azuis, vermelhas e infravermelhas obtidas pelo Ralph/MVIC; as cores foram processadas para melhor realçar a variação das propriedades da superfície de Caronte. Os cientistas aprenderam que o material avermelhado na região polar norte (topo) - informalmente apelidada Mordor Macula - é metano quimicamente processado que escapou da atmosfera de Plutão para Caronte. Caronte mede 1212 km de diâmetro; esta imagem resolve detalhes tão pequenos quanto 2,9 km.
Crédito: NASA/JHUAPL/SwRI
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